segunda-feira, dezembro 31

 
Bom 2008
com uma filosofia de vida que tenha como uma das suas traves-mestras o lema
Saborear o que temos e lutar pelo que queremos.
 
Da filosofia
De mais uma aluna, um pequeno texto e mais duas respostas retiradas de testes.

Para quê filosofar?
As nossas opiniões não nascem em nós de forma espontânea. Ao longo das nossas vidas, as opiniões ou a maneira de pensar de cada um vai-se construindo e desenvolvendo. Mas, nas primeiras fases da vida, nenhum de nós possui a capacidade de as produzir, de pensar autonomamente. Nessa fase, limitamo-nos a ouvir o que circula por ai, assumindo para nós próprios o que é verdade para os outros, sem examinar isso.
No entanto, embora muito cedo tenhamos assumido as ideias dos outros, com o tempo isso vem a alterar-se. Começamos então a analisar o que nos é proposto, examinando todas as ideias e reflectindo sobre elas. Assim, vai se adquirindo uma capacidade de nos “fecharmos” às opiniões dos outros e de criticarmos o que nos é dito. Porque para assumir uma ideia exterior, temos de a submeter a um exame, para a podermos compreender e depois, então, assumi-la para nós.
A filosofia é uma actividade de espírito crítico, que estimula a reflexão, e que nos permite aprender a pensar sobre a nossa vida, a vivê-la, sob a nossa forma de pensar.
Rita Antunes, 10ºC

O começo da actividade filosófica
Por volta da adolescência, as pessoas começam a construir uma capacidade que durante as primeiras fases da vida não se desenvolveu. Na infância, apenas nos limitávamos a aceitar o que circula por aí, o que aprendíamos com os pais e com os professores. Mas por volta dos 14 anos este saber não é suficiente. Nesta idade, o começo da actividade de filosofar caracteriza-se pelo facto de começarmos a pensar mais autonomamente e a reflectir sobre o que nos rodeia e sobre o que aprendemos anteriormente. Assim, vai-se adquirindo uma capacidade de criticar, analisar e examinar as opiniões, as ideias, o mundo, e assim, começa-se a filosofar.
Rita Antunes, 10ºC

Características da filosofia
As questões que, pelo menos uma vez na vida, todas as pessoas colocam a si próprias, como qual é o significado da nossa existência, como devemos viver, o que está certo e o que está errado, qual o sentido da vida, entre muitas outras, aparecem devido à nossa vida diária, com os problemas que temos, com as situações com quer nos deparamos. É com a vida e com o mundo em que vivemos que todas as questões nascem. A filosofia, permite-nos aprender a compreendê-lo, ensina-nos a lidar com o que nos rodeia e a viver a nossa vida. No entanto, actualmente, os problemas e as questões sobre a vida são diferentes das que se tinham na antiguidade, pelo que a filosofia de cada época é diferente. A isto se chama a historicidade da filosofia, que é a característica da filosofia ser histórica.
Rita Antunes, 10ºC

sábado, dezembro 29

 
A filosofia
Mais duas respostas, rcolhidas de um teste:

“Filosofar é estar a caminho.”.
Se filosofar é ir à raiz dos problemas, é querer saber sempre mais, é aprofundar os conhecimentos que já se tem, é explorar tudo, é o desejo de saber, então filosofar é mesmo estar a caminho.
É estar a caminho do conhecimento, da sabedoria, da aprendizagem, da verdade. Todos os dias surgem novos pontos de vista, novas teorias, novos argumentos. É assim que o caminho continua.
Contudo, é um caminho que continua e vai continuar, pois a filosofia permite-nos sempre ir mais longe, saber sempre mais.
É um caminho que nos ajuda também a crescer enquanto pessoas, enquanto seres humanos.
Joana Paulo, 10º C

“A filosofia faz-se colocando questões, argumentando, ensaiando ideias e pensando em argumentos possíveis contra elas .”
A actividade filosófica tem um princípio muito importante. Não se limita a fazer perguntas ou a responder a perguntas que já foram feitas. Um verdadeiro filósofo é aquele que tem um ponto de vista novo, pois “quem pensa o que os outros pensam nunca chegou a pensar”.
A filosofia questiona, responde, justifica. Justifica com teorias, teses, argumentos. Contudo, tem o cuidado de submeter sempre a exame as suas respostas, os seus argumentos, as suas teses.
Só aceita as ideias que resistem de forma consistente ao exame. Questiona as suas teses, respostas, argumentos de formas diferentes, sob diversos pontos de vista.
Um bom exemplo disto é o texto escrito por Platão sobre Sócrates e Êutifron. Sempre que Sócrates lhe colocava uma questão, Êutifron respondia de uma forma muito segura, como tendo a certeza do que dizia. Sócrates provou-lhe que as teorias dele não eram assim tão consistentes. Provou-lho reformulando as perguntas de acordo com as respostas de Êutifron. Foi submetendo a exame tudo o que este lhe dizia e acabou por concluir que nenhuma das respostas de Êutifron resistiam ao exame.
Joana Paulo, 10º C
 
TPC - Viagem
Hoje, sugiro uma visita a um universo de sonho e vida.
É uma boa forma de preparar forças para entrar no novo ano e preparar o novo período escolar:
http://virginiapinon.blogspot.com/
e
http://vivianabilotti.blogspot.com/
e
http://www.valeriacis.com.ar/
e
http://yisuss.blogspot.com/
e
http://delicionesdelius.blogspot.com/
e
http://degliuomini.blogspot.com/
ou
como, com um lápis, se fazem maravilhas
ou
como o mundo pode ser muito mais do que ése formos capazes de vê-lo diferente.
 
Teorias - 3
O comentário de Pedro Oliveira, que aqui abordei já em duas entradas, merece mais algumas notas. Fiz uma primeira análise. Mas é necessário dar-lhe continuidade. Porque...
Ele tem um lado positivo.
Na verdade, reconheço que tem havido uma linha de actuação de complacência com o desleixo, a infantilidade tardia, a preguiça, a falta de educação, a ignorância militante...
E se a aposta no "tudo é a vontade do aluno" é pura ideologia, também esta atitude de complacência é outra ideologia: "coitadinhos, eles não têm culpa, deixa andar". Nada sustenta esta posição, senão também a demissão pura e simples. E também neste caso com o aluno a ser a vítima da demissão. A voz de Pedro Oliveira é, pois, de denúncia desta política pedagógica.
Só que um erro não se corrige com outro erro.
Mas a palavra de Pedro Oliveira tem ainda uma outra - grande - razão de ser. De facto, a vontade não é uma realidade originária, que possa ser exercida a partir do nada. Se não for educada, se não for desenvolvida, se não for treinada, não existe como potencialidade de acção. Ora, muita da nossa pedagogia tem esquecido isto, tem descurado o trabalho de "educar a vontade". Eu sei que esta própria expressão cheira a bafio, a ranço. Porque diz a moda que isso não se faz. Mas, se não se faz, devia fazer-se. E é isso que XX exige. E com toda a razão. A vontade, não sendo o recurso dado à partida, só pode ser formado ao longo do percurso. Mas só pode ser formado se for estimulada a sua formação.
Costumo dizer explicitamente aos meus alunos: Quem faz tudo o que quer, dentro em pouco não consegue fazer aquilo que quer. Ou melhor, nem sequer consegue querer.
É disto que nos fala a voz denunciadora de Pedro Oliveira. E nisso tem razão.
Contudo, parece-me haver dois pormenores que esquece:
- que só temos o direito de exigir o que pode ser dado;
- que a razão da nossa actuação mede-se pelos seus resultados.
Mas, aí, tudo se joga no campo de cada caso concreto.
E nunca teremos a certeza da medida em que temos ou não temos razão.
 
Contra, nunca
São várias as razões pelas quais eu não me dou o direito de estar contra os meus alunos.
Antes de mais, porque me estão confiados. Estão-me confiados para que eu os ajude precisamente a superar as suas limitações. E esse é justamente o meu trabalho. Para isso me pagam. Para fazer o trabalho que ainda não foi feito e que, por isso, precisa de ser feito.
Depois, porque não é nada útil estar contra eles. Bem pelo contrário. As leis do pingue-pongue dizem que se eles forem saudáveis, colocam-se contra mim se eu me colocar contra eles. Por isso, colocar-me contra eles é impossibilitar o meu trabalho, minar ou destruir as minhas condições de sucesso.
Depois ainda (ou antes?), porque eu gosto deles. Por isso e para isso começo desde antes do início das aulas a vê-los nas fotografias da constituição de turmas. A namorá-los, posso dizer.
Finalmente, porque eles gostam de mim. Posso parecer presunçoso, mas sei que é verdade. Não porque eu tenha alguma virtude especial. Apenas por uma simples razão: porque eu trabalho com eles - e não contra eles - para os ajudar a superar as suas limitações, para os ajudar a ter êxito, hoje e amanhã. E eles percebem isso. E, como todos nós, gostam de quem os ajuda a ter êxito. Por isso gostam de mim, mesmo quando não gostam do que lhes exijo. Porque sou exigente com eles. Mas não contra eles.
É claro que nem todos gostam de mim. Mas não há nisso nenhum problema. Eu também não gosto de toda a gente. Reconheço-lhes, por isso, o direito de não gostarem de mim.
Até porque, quando digo que não me reconheço o direito de estar contra os meus alunos, não significa que eu sempre consiga superar ou resistir às tensões que também me crescem por dentro. Se me apercebo de que pisei o risco, peço-lhes desculpa. Mas talvez isso não seja suficiente. Talvez as feridas sejam mais fundas do que a tintura de um pedido de desculpa pode tratar. Ou, simplesmente, talvez alguns não engracem com a minha cara, o meu modo de trabalhar... Mas isso, sei-o de fonte segura, não é a paisagem.

quarta-feira, dezembro 26

 
A filosofia, ainda
Ne novo, a apalvra a uma aluna, em recolha feita sobre respostas em situação de teste:

Filosofia é “estar a caminho”
Filosofia é “estar a caminho”, pois há uma procura incessante de sabedoria. O filósofo não se contenta/satisfaz nem com o que vê à primeira vista, nem com a resposta que obtém após reflectir. Ele procura sempre mais e melhor conhecimento. Por isso, é que também é possível afirmar que a Filosofia é dinâmica, porque as questões levam sempre a outras questões e porque não existe sempre uma reposta para a mesma questão. Assim, podemos concluir que na Filosofia há sempre um “caminho” que é percorrido, visto haver sempre uma busca pela verdade.
No entanto, o mais importante em Filosofia não é onde se chega, porque nunca se chega a uma resposta definitiva, visto ser sempre possível ir “mais fundo”. O que importa, é o caminho que se percorre, em que tentamos entender o sentido das coisas que nos rodeiam. Por estes motivos, Filosofia é “estar a caminho”.
Marta Lopes, 10º C


Porque é importante filosofar?
Ao longo da nossa infância, como ainda não temos nem muita experiência, nem capacidade de reflexão, limitamo-nos a assimilar as ideias vindas do exterior (dos “media”, da nossa família, dos nossos professores…). Somos, por isso, bastante influenciáveis, não utilizando qualquer espécie de “crivo” nem submetendo essas ideias a um exame, simplesmente aceitando-as.
À medida que crescemos, começamos a desenvolver espírito crítico e, portanto, começamos a analisar as ideias que nos foram incutidas. E é por isso que filosofar é importante. É a partir da Filosofia que construimos as nossas opiniões pessoais, pois começamos a submeter as ideias do exterior a um exame. Na Filosofia não existem dogmas, e por conseguinte, podemos concordar/discordar com/de as ideias vindas do exterior. No entanto, é claro que ao discordarmos/concordarmos temos de justificar a nossa tomada de posição.
É importante filosofar para a construção de um saber pessoal e para aprendermos a pensar por nós próprios. Ao filosofarmos distinguimo-nos da “manada” e deixamos de pensar como os outros pensam, passando a reflectir autonomamente.
Marta Lopes, 10º C

segunda-feira, dezembro 24

 
Boas Festas
A todos os meus alunos e suas famílias e a todos os leitores deste blogue:

Boas Festas:
um saboroso Natal, em todos os sentidos,

da boca ao coração,
e um sábio 2008,
daquela sabedoria que torna os dias luminosos,
sobretudo os mais difíceis.
 
Última aula - 2
Depois, afirmei que ia dividir a aula em “três metades”:
- os alunos que tinham conseguido obter a nota que queriam e estão satisfeitos;
- os alunos que têm positiva, mas que não estão satisfeitos com ela;
- os alunos que têm negativa e, portanto, não estão satisfeitos.
Cada um levantou o braço na sua vez e todos vimos que o último grupo era o maior.
São os dois últimos grupos que mais me interessam aqui”, disse eu. E continuei.
Temos de perceber quais as razões deste estado das coisas. E há sobretudo três:
- falta de estudo (e alguns já disseram que foi o caso e, portanto, já sabem a solução);
- falta de competências na escrita (a filosofia escolar passa muito pela produção de textos, pelo que esse é um aspecto crítico);
- falta de competências no exercício de pensamento reflexivo (e essa é a substância do trabalho filosófico).
Há outras razões, mas estas são as principais. E aqui estão também as soluções.
No que nos compete, teremos de trabalhar nos dois últimos aspectos. Será esse o principal programa para os próximos tempos. E poderá começar a sê-lo já durante as férias.
Qualquer atleta treina aquilo em que quer melhorar. Todos o sabemos. E os estudantes? Também deveria ser assim.
Mas a cultura estudantil é muito a de “estudar para os testes”. Só que isso não resolve nada, se os problemas estiverem noutro lado.
E aconselhei - quem quiser – a fazer um diário filosófico durante as férias.
Escrever, reflectir.
- Eu sei que a ideia parece tonta. Mas já os vossos colegas dos outros anos passaram pelo mesmo. E, no final, os que o fizeram declaram: não foi agradável, mas foi proveitoso.
Diz a experiência que serão poucos ou nenhum a aceitar o desafio. Ao contrário dos atletas, que sentem a necessidade de um plano de aperfeiçoamento, de um modo geral os estudantes não vêem o percurso escolar como um percurso de aquisição de competências ou como de um processo de desenvolvimento pessoal. Dito de outro modo: o nosso ensino é vivido pelo seu valor de troca e não pelo seu valor de uso. E enquanto for assim, não se vai muito mais longe.
 
Última aula - 1
Antes de pararmos na “estação de reabastecimento”, que são as férias, dividi a aula em dois momentos principais. Os alunos começaram por entregar a avaliação escrita que fizeram ao primeiro trimestre da nossa aventura comum. Mas eu pedi-lhes que fizéssemos uma avaliação oral, de modo a partilharem o que tinham escrito. Quem quisesse, é claro. Aspectos positivos, primeiro, negativos depois, porque nada tem só aspectos positivos ou só negativos. Correu bem.
Creio poder dizer que os positivos são dominantes: o interesse da nossa aventura, o desenvolvimento do pensar pessoal – alguns dizem que já vêem as coisas de outro modo – o clima de respeito mútuo, o descobrir coisas novas, o professor puxar pelos alunos e não os deixar desistir... Como aspectos negativos, o facto de por vezes a aula ser uma seca, a filosofia ser muito exigente, o professor nunca estar satisfeito e perguntar sempre “porquê?”, as aulas serem muito longas, nem todos os alunos participarem nas aulas, e alguns alunos contribuírem para prejudicar o ambiente de trabalho em sala...
Já o disse algures. Dou muita importância a esta avaliação pelos alunos sobretudo porque com ela, quer dizer, com eles, aprendo a melhorar as minhas aulas e também porque este momento de crítica ao vivo de alguém que está no poder, o professor, é um acto educativo no sentido de uma afirmação de si face ao poder, de exercício do poder crítico, de afirmação da dignidade face a qualquer poder, de experiência do poder da palavra crítica, de aprendizagem de que não há nada perfeito ou completamente indigno, de respeito para com aquele que se critica, de humildade face àquele que nos critica... Creio que é uma dimensão fundamental da democracia de proximidade, que nos prepara para a democracia à distância.

domingo, dezembro 23

 
A filosofia
Mas nos testes também encontramos respostas muito boas. Pedi a alguns alunos que fizessem com algumas respostas de testes aquilo que vimos fazendo com outros textos. Eis dois exemplos:

«A filosofia é uma grande força libertadora.»
A afirmação «A filosofia é uma grande força libertadora», é de certo uma verdade pura. Esta afirmação significa que para filosofar é preciso, para além de mais ser-se livre e independente. Para podermos exprimir e defender as nossas opiniões sem problemas e limitações. A Filosofia é uma das actividades onde fundamentalmente se partilham opiniões, constrói-se um saber próprio e seguro do real. É uma actividade em que nos libertamos através de discursos (orais ou escritos). É importante filosofar porque ao libertarmos as nossas ideias, opiniões, podemos tornar-nos pessoas melhores. Daí a importância da libertação, construir um mundo melhor. A partilha de opiniões não é só importante para ajudarmos o outro, como também para nos ajudarmos a nós mesmos a sentirmo-nos úteis e realizados. Na filosofia cada pessoa tem os seus próprios pensamentos, as sua própria ideias e opiniões, partilha-os com as outras pessoas, mas tudo vem de um indivíduo, de si mesmo.
Maria do Carmo Simão 10ºD

«Ser filósofo é viver por motivos próprios.»
Todos os dias o Homem pratica acções, acções estas que são conscientes, pensadas, reflectidas, etc. Não há uma acção sem antes ter havido motivos, Os motivos vêm do interior, e vêm de nós mesmos, ninguém sabe quais são, apenas podem saber as causas. As causas vêm do exterior e levam aos motivos. Uma das grandes características da Filosofia é o distanciamento, que significa não ir com os outros e seguir o seu próprio caminho, É isto que o filósofo faz, distancia-se para pensar por si próprio e construir o seu próprio saber. Tal como se constrói a si próprio, age consoante os seus motivos, e não os dos outros. Cada pessoa tem os seus problemas, coisas que a preocupam, coisas que a afectam, e os motivos pelos quais a pessoa age de determinada maneira são influenciados por isso que a preocupa, e pelo que a pessoa é.
As nossas acções têm de ser comandadas por nós e não pelos outros. Os motivos que nos levam a agir vêm do nosso interior, e é no interior que está o que nós verdadeiramente somos, e que ninguém pode ser por nós. Os motivos são uma força de vontade interior que exige a ponderação comigo próprio, isto é, pesar os prós e os contras de algo, para poder ter justificações para os motivos, para quando agir.
Maria do Carmo Simão 10ºD
 
Testes – 2
Mas ver testes é o que eu menos aprecio na actividade de professor. Por duas razões: porque é um trabalho monótono e nada criativo e porque não me conformo, nunca, com os maus resultados que “demasiadas” vezes encontro. “Como é que é possível?!!!”, digo eu também demasiadas vezes quando estou a classificar os testes. E ainda hoje não tenho as respostas necessárias para esta pergunta. Sim, ver testes dói.
É claro que não me custa a perceber que recebê-los dói mais.
 
Testes - 1
Os testes são sempre necessários. Por duas grandes razões. Porque é um dos principais motivadores: os alunos interiorizaram o “estudar para os testes” e, se não houvesse testes, deixaria de haver “esse” estudo. (É claro que esta razão vale também o seu inverso.) O segundo motivo é que é sempre da maior importância avaliar o nível de uma aprendizagem. Tendemos a pensar que aprendemos, que já sabemos... até que somos confrontados com as nossas próprias insuficiências.
Uma vez escrevi um apontamento de teatro em que a professora perguntava quem tinha dificuldades e um dos alunos respondia “Eu sei tudo”. E a professora: “Então, venha ao quadro.” E o aluno, com ar de quem foi apanhado: “Sabia...”
Pensar que se sabe não é o mesmo que saber. E saber também não é o mesmo que saber resolver problemas novos.
Costumo dizer aos meus alunos que “se quiser comprar uma fotocopiadora, vou a uma loja da especialidade.” Os homens e as mulheres não foram feitos para reproduzir textos, do livro ou do professor, mas para resolver problemas novos. Caso contrário ainda estaríamos hoje na pré-história.
 
Candidatura - 2
Candidatar-me é quase um acto que é contra a minha natureza. Por várias razões, que têm a ver com a minha história pessoal.
Mas há uma razão suplementar. Quem me conhece, ao vivo ou através daquilo que tenho escrito ao longo dos anos, sabe que não me identifico com “esta” escola, a escola portuguesa em que todos apostam e de que ninguém gosta.
Ir participar da Assembleia Constituinte é ir trabalhar no sentido de garantir um Regulamento que faça funcionar “esta” escola. E isso eu sinto-o, de certo modo, como uma traição, sobretudo aos alunos com maiores dificuldades.
Contudo, não seria justo – nem útil – avançar noutra direcção. Porque um regulamento não altera o espírito com que se está nas coisas. Pelo contrário, é o espírito que dá corpo à lei. O resto é lirismo.
Por isso, apenas posso trabalhar no sentido de um regulamento que sirva esta escola. A escola que podemos ter nas actuais circunstâncias.
 
Candidatura - 1
Decidi promover uma lista para a Assembleia Constituinte do nosso novo Agrupamento de Escolas. Existe uma Comissão Instaladora, mas é necessário começar “tudo” de princípio, criando um Regulamento Interno que seja a base a partir da qual se erga todo o edifício do agrupamento. Vê-se, por isso, a importância do momento.Acontece que o passado recente nos mostrou como a Assembleia de Escola não trazia grande motivação às pessoas. Pode, por isso, acontecer que não suja uma candidatura que resolva a situação do momento. Por essa mesma razão, decidi que tinha a obrigação de não deixar criar um vazio. Felizmente foi possível reunir um conjunto de dez efectivos e cinco suplentes que partilharam da mesma disponibilidade para dar a resposta necessária. A ver vamos.
 
Era uma vez
Há anos, estava eu a dirigir uma acção de formação para professores e os meus formandos insistiam que os alunos não liam, não sabiam apreciar as evidentes obras de literatura que qualquer homem ou mulher com dois dedos de testa tem de apreciar... Não sei as palavras, ficou-me só o episódio. Enfim, do tipo “o que conta é a vontade”.
Ouvi e calei. Não há argumentos que possam valer perante quem já tem as conclusões tiradas. Os meus alunos do 11º ano já sabem que para haver argumentação é necessário haver disponibilidade para.
Na sessão seguinte, tirei três grossos volumes: A República, de Platão, Crítica da Razão Pura, de Kant, e creio que Fenomenologia do Espírito, de Hegel. Li os títulos de cada uma e perguntei quem dentre os presentes as tinha lido.
Ninguém.
- Então não têm vergonha de não terem lido três das obras fundamentais que fizeram a gramática do pensamento ocidental? Como é que querem ser pessoas cultas sem terem lido as bases da nossa cultura?
É claro que não era legítimo exigir-se-lhes que tivessem lido obras que passavam bem ao largo da sua história pessoal. Mas não seria de esperar que um acto de vontade esclarecida levasse aquelas pessoas a ler aqueles diamantes da cultura ocidental? Não!
Mas, então, por que razão é tão evidente que os nossos alunos, vindos de meios rurais e filhos de casas sem livros, hão-de ter vontade de ler aquilo que nem sequer sabem que existe?
Eu insisto: o que é a vontade?
E mais ainda: como é que eu posso ter vontade de querer fazer uma coisa que não quero?
Enquanto não me explicarem isto, eu continuo a dizer que... peço desculpa... não sabem do que estão a falar.
E acuso-os de cumplicidade numa escola, a nossa, que está feita para o êxito de alunos que são filhos de famílias com bom capital escolar, ricas, urbanas e brancas. O que significa que todos os que se afastam desse padrão tendem a ser triturados por esta escola. E para sustentar esta escola, recusamos todas as evidências e tornamos evidentes tudo o que a legitima.
 
Contra?!?!
Contudo, há um pormenor em que não me reconheço. Cito Pedro Oliveira referindo-se-me: «Agiu, precisamente, do mesmo modo que eu agiria numa situação semelhante, o confronto homem a homem, um indivíduo «versus» outro»
Peço desculpa, mas eu não agi num confronto homem a homem, muito menos contra aquele aluno.
Eu apenas fiz o meu papel, aquele de que estava incumbido naquele momento, como responsável por aquela sala.
Eu recuso-me, excepto quando falho, é claro, a colocar-me contra os meus alunos, mesmo e sobretudo em situações de crise.
Eu procuro colocar-me contra um comportamento, não contra uma pessoa. Nos meus melhores momentos, consigo mesmo estar contra o comportamento e mostrar-me a favor da pessoa.
Sempre, mas sempre, o mais importante é a pessoa, mesmo a pessoa em desalinho.
Por isso, muitas vezes os meus alunos reconhecem que eu tenho razão, isto é, que eles estão a ir pelo caminho errado.
Por isso, também, é que eu lhes pergunto: - Estás a fazer por ti aquilo que tu mereces? Estás de verdade a cuidar dos teus interesses?
E alguns, quase todos, reconhecem que não.
Dito de outro modo, eu procuro estar não contra os meus alunos, mas contra aquilo que os ameaça. E ajudá-los a perceber isso mesmo.
Nem sempre consigo? É claro que não.
 
Teorias - 2
Pedro Oliveira é bem claro quando diz que defende que «o meio condiciona e determina mas a vontade, as escolhas pessoais predominam» e acrescenta que está «a simplificar muito» a sua opinião.
Mas está enganado. A vontade não predomina. E só tem alguma vontade quem teve oportunidade de desenvolvê-la.
E essa vontade, vem donde? Do nada?
E como é possível sustentar uma tal tese, ou teoria, contra todas as evidências e contra todas as hipóteses científicas?
Eu coloco uma hipótese. Um tal tese, contra todas as contribuições científicas é pura ideologia, pura ficção teórica que serve apenas para sustentar a demissão de fazer o que há a fazer.
É mais fácil culpar o aluno, expulsá-lo, condená-lo... do que fazer o que ainda não foi feito. (Não estou a dizer que seja o caso de Pedro Oliveira, mas garanto que é muitas vezes o caso.)
Além disso, o valor de uma teoria mede-se, em grande parte, pela sua capacidade de prever os acontecimentos. Ora aconteceu que o meu comportamento veio ao contrário do que era previsto: «- Coitados, eles são bons mas a malvada da sociedade faz com que sejam uns indisciplinados...»
A tese de Pedro Oliveira parece (digo: parece) ser ao contrário: Malvados, eles são maus mas a boa da sociedade mete-os na ordem...
E se eu adoptasse a mesma tese, esquecer a história e centrar quase tudo na vontade, então eu teria de culpar, sim, culpar, estes professores de, por falta de vontade, adoptarem posições velhas de séculos e resistirem a todas as contribuições científicas de há um século a esta parte, só para...
Para quê?
Quem quiser que responda.
 
O caso de M.
M. é hoje um jovem do concelho de Abrantes que constitui um perigo público. Não tenho disso a menor dúvida.
Um dia, a uma porta, uma pessoa perguntava-lhe:
- Mas porque é que tu não vais trabalhar?
M., parou um pouco e respondeu de dentro de si mesmo:
- Eu desde os sete anos que vivo sozinho. Não podem esperar mais de mim.
E a pessoa que teve este diálogo com M. avalia a situação:
- Nunca ele falou tão verdade.
E esclarece que ele ficou sozinho aos sete anos, quando a avó, que tomava conta dele, morreu.
Aquilo que M. é hoje é independente da história que M. viveu?
Eu digo que não; Pedro Oliveira diz que sim.
 
Teorias - 1
Pedro Oliveira interpreta, e creio que bem, este espaço como de troca de ideias. Mas é importante que as ideias sejam, então, bem identificadas e o debate tenha algum rigor.
Vamos, então, precisar algumas.
Pedro Oliveira diz que eu defendo que “o homem é quase, exclusivamente, condicionado pelo meio”. Mas não é verdade. Eu afirmo que o homem é, em cada momento, produto essencialmente de duas coisas: o seu património genético, estável, e a sua história pessoal, em contínua evolução. E defendo que a sua história é resultado de quatro dimensões: o seu património genético, o seu meio ambiente, físico e social (a eco-formação), a acção de outros próximos e significativos (a hetero-formação) e depois, só depois, a partir de e por dentro de aquilo que a história pessoal fez do indivíduo é que este ganha autonomia e poder sobre a sua história pessoal (a auto-formação). E defendo ainda que, em cada momento, cada um de nós é um elemento num todo sistémico e que, por isso, o nosso comportamento depende em grande parte do sistema e depois, conforme o poder de autonomia e resistência de cada um, dele mesmo.
E não tenho dúvida de que todas (?) as disciplinas científicas apoiam o meu ponto de vista – pela simples razão de que o meu ponto de vista se apoia em tudo aquilo que tenho estudado. Não é, portanto, nenhuma criação pessoal de que possa vangloriar-me.
E apoia-se nos factos. O caso de M., por exemplo. E nas estatísticas. Ainda há pouco saiu mais uma a confirmar.

terça-feira, dezembro 11

 
O QUE É FILOSOFIA?
Antes de mais, é importante mencionar o quão difícil é definir Filosofia. Tal dificuldade prende-se, fundamentalmente, com duas razões: primeira, o facto da Filosofia não ter um objecto de estudo limitado, isto é, ela estuda tudo do ponto de vista do todo, na globalidade. Por isso, embora a Filosofia tenha campos de análise específicos (como, por exemplo, a Ética e a Ontologia), é bastante difícil de lhe definir limites. O segundo motivo é o facto de todas pessoas pensarem de maneiras diferentes umas das outras, pensando sempre de uma maneira nova ou inovadora. Um filósofo é aquele que descobre um ponto de vista novo e como “fazer Filosofia” de um modo diferente. Por outras palavras, a maneira de pensar e, por conseguinte, a definição de Filosofia de um filósofo existencialista é diferente da de um filósofo idealista. Assim, é possível dar diferentes definições de Filosofia de acordo com a “posição filosófica” que se toma.
Ao definir Filosofia, deve-se começar justamente por analisar o significado da palavra em si. “Filosofia” é uma palavra que vem do grego (já que foi na Grécia que ela nasceu) e é composta por duas partes: “philos”, que quer dizer “amigo”, e “sophia”, que significa “sabedoria”. O filósofo é precisamente um amigo da sabedoria.
Sinteticamente a Filosofia pode ser definida apenas por três verbos: “perguntar”, “responder” e “justificar”. Filosofia é “perguntar”, pois esta questiona a realidade, problematizando-a e interroga-se e reflecte sobre os problemas do nosso quotidiano e sobre o sentido das coisas, nomeadamente do Homem, da vida, do mundo que nos rodeia. Filosofia é “responder”, visto que implica uma tomada de posição, após ter-se posto uma questão. No entanto, é inconformista, não aceita o que parece óbvio, o que está estabelecido ou o que parece evidente. E em Filosofia não só se responde às perguntas como também se fundamentam as respostas. Portanto, a Filosofia passa pela análise “à lupa” das palavras, do sentido destas (procurando um novo sentido para elas quando o anterior já não é adequado), pela análise de textos e sua produção. Isto porque é a partir de textos que os filósofos expõem as suas teses e que tomam conhecimento das teses e argumentos de outros filósofos.
Além do mais, para fazer Filosofia é necessária a construção pessoal de um modo de ser: crítico e consciente, inquisidor, reflexivo, justificador, autónomo (que pensa por si próprio, construindo, portanto um saber próprio) e com capacidade de abstracção, formulando uma pergunta universal (já que o objecto de estudo da Filosofia é o todo) e respondendo de uma forma racional, não baseada em mitos. O filósofo revela igualmente insatisfação e procura sempre mais e melhor conhecimento, sendo por isso a Filosofia um exercício de Liberdade que obriga a um confronto de ideias.
Finalmente, em Filosofia, é também necessário ter em conta a sua história, já que esta tem mais de 2500 anos. E tal como já foi mencionado anteriormente, a Filosofia nasceu na Grécia, no século VII a.C. e a sua origem ficou marcada pela pergunta ‘’De que é que tudo é feito?’’, à qual Tales de Mileto respondeu ‘’incorrectamente’’, embora de forma racional e não mítica, ‘’De água, porque onde há água há tudo’’.
Marta Lopes, 10º C

domingo, dezembro 9

 
Liberdade 2
Há liberdade?
Esta foi a pergunta que escrevi no quadro para começar. Tratava-se de ir levantar aquilo que tínhamos dito na aula anterior.
- Fazem o favor de escrever no caderno a resposta: Sim ou Não?
- E se eu não souber?
- Escreves “Não sei”.
Depois, apresentei-lhes uma listagem de frases de filósofos. Uns a dizerem que sim, há liberdade, e outros a dizerem que não, a liberdade não passa de uma ilusão, uma forma de ignorância.
Pedi-lhes que indicassem com que frases daquelas concordavam e de quais discordavam. Pensar é, tantas vezes, tomar posição sobre o que outros dizem. E essa é uma das razões maiores para se estudar o pensamento de um autor. Ele obriga-nos a tomar posição, muitas vezes sobre problemas ou aspectos que nunca tínhamos pensado.
E partimos.
Com uma bola de ténis de mesa, mostrei o que todos sabiam, que a bola salta sob a lei da gravidade e os atritos vários, e que não pode decidir a sua queda, o seu comportamento. É apenas movida por forças exteriores, que não controla e sobre as quais não tem qualquer poder.
A minha gata voltou à sala. Se tiver fome e tiver comida... Agora, a gata é movida por forças exteriores e interiores.
E o homem?
Também o homem é movido por forças exteriores, é claro, e outras interiores - forças animais, psicológicas e sociais interiorizadas.
Então, o que significa afirmar que o homem é livre?
Se o seu comportamento não vem deste conjunto de forças, donde vem?
E parei, com o silêncio na sala a esperar por uma resposta.
Trouxe a palavra determinista de Helmoltz, dizendo que todo o universo seria explicável em termos forças de atracção e repulsão. Era o determinismo físico.
Ultimamente, alguns biólogos vêm dizendo que todo o comportamento humano é explicável por forças biológicas, sobretudo pela hereditariedade. É um determinismo biológico.
Será que o homem é como a bola de pingue-pongue, resultado apenas das forças que sobre ele agem, de fora e por dentro? Ou há outra explicação?
Este é um problema actual. E sem sabermos a resposta não saberemos como viver.
- Por exemplo. Se eu te maltratar, te bater, que é que fazes?, perguntei à aluna que estava mesmo à minha frente. E continuei. - Podes responder na mesma moeda. Mas talvez te arrisques a levar ainda mais. Não parece ser boa resposta. Ou podes ir fazer queixa de mim. Que dizes?
Preferiu apresentar queixa.
- Mas se a minha gata me roubar o bacalhau que eu tinha para o almoço, vou apresentar queixa dela? Ela não é responsável, já o vimos. Se vais apresentar queixa de mim é porque eu podia não ter feito aquilo que fiz. Certo?
Foi por aqui que andámos, a fazer “experiências de pensamento” que nos permitissem pensar a nossa vida sem a admissão da liberdade.
Não há como termos de enfrentar este que é um dos grandes problemas teóricos de hoje.E se não encontrarem de imediato resposta para ele, eu estou nas mesmas circunstâncias. Mas isso não nos desobriga de o pensarmos. O problema é nosso.
 
Partida
Continuo a insistir, porque penso ser a ordem correcta, partir daquilo que os alunos pensam. É do que os alunos já pensam, do lugar intelectual onde estão, que é possível fazer uma viagem. Por isso é necessário pô-los a pensar o que já pensam. Depois, confrontá-los com questões que os forcem a avançar. Finalmente, oferecer-lhes algumas pistas de resposta. O resto... bem o resto ninguém pode fazer por eles.
A mim só me compete solicitar-lhes que produzam alguma coisa onde sejam “obrigados” a exercitar o seu pensamento.
Creio que este é um bom método de trabalho. Mas que tem os seus riscos. Os alunos são desinstalados do conforto do já pensado, ou sobretudo do não pensado. E nem sempre é garantido que eles saibam fazer a reconstrução daquilo que foi abanado.
 
A responsabilidade
E porque é que eu sou responsável?
Em diálogo dirigido, chegámos lá: porque sempre eu podia ter feito de outro modo.
Mesmo que me apontem uma pistola, “a carteira ou a vida”, eu posso escolher a carteira...
E nós sabemos de muita gente que escolheu uma causa que considerou mais importante que a sua vida.
Sempre podemos escolher. Nunca somos apenas o resultado daquilo que nos fez e faz.Ou seja, somos livres. Ou, como dizia Sartre: «Estamos condenados a ser livres.» Felizmente.
 
Liberdade 1
Depois de termos estudado a acção humana de um ponto de vista geral, era o dia de levantarmos a questão da liberdade.
Curiosamente, à pergunta “o que é a liberdade?”, houve várias respostas, mas não apareceu a tradicional “é eu fazer o que me apetece”. Eu próprio a coloquei como hipótese, mas foi rejeitada. Que não. As respostas não me satisfizeram, mas verifiquei – com agrado – que algo mudou desde o tempo em que esta era “a” resposta e era difícil passar para lá dela.
Centrei a noção de liberdade não em fazer isto ou aquilo mas em poder escolher, em poder decidir. E a minha gata voltou a entrar em cena.
Se a minha gata tiver fome e tiver comida, come. E eu? Se tiver fome e tiver comida, posso comer ou não. E é nesta possibilidade de decidir, de optar entre pelo menos duas possibilidades, que está esta característica essencial e distintiva do homem.
Foi assim que definimos a liberdade, como possibilidade de decidir.
Podem alguns pensar o que quiserem, mas basta olhar para o mundo e ver que a minha gata é sensivelmente o mesmo que a sua antepassada pré-histórica, ao passo que eu já sou muito diferente do meu avô, quanto mais do meu antepassado pré-histórico. E esta diferença nasce desta possibilidade de optar, de não estar sujeito às circunstâncias, tanto externas como internas. Nunca somos apenas as circunstâncias, mas aquilo que fazemos das circunstâncias.
 
Caro Pedro Oliveira
Obrigado pela sua visita ao nosso blogue e obrigado também pelo seu comentário. E por nele continuar o nosso “confronto argumentativo” que vem já de outro lugar.
Não duvido de que é pelo confronto de ideias – ideias diferentes, é claro – que cada um de nós avança e que algo avança entre nós.
Discordo, é claro, da sua afirmação: «Gostei da ler este «post», dá-me razão (eu gosto de ter razão) o colectivo é a soma de comportamentos individuais.» Não dá qualquer razão, mas não vou voltar a isso. O todo nunca é a soma das partes. E é por isso que bons rapazes e raparigas podem tornar-se diabretes quando em grupo. Mas essa discussão já tivemos, embora não aqui.
Mas sobretudo surpreende-me a sua afirmação: «Gostei do modo como agiu, contrariando os seus próprios princípios, aquelas crianças são fruto da sociedade onde foram criadas e têm de ter liberdade e tal...»
Não vejo, minimamente, onde é que “contrariei os meus princípios”. Não há – não tenho - qualquer dúvida de que cada criança, tal como cada adulto, é fruto, ou é produto, da sua sociedade e da história pessoal que nela viveu. Reafirmo-o.* E aquilo que eu fiz naquela aula foi a confirmação disso mesmo. Naquele momento, eu era a sociedade com que cada um se confrontava. Era eu que podia exercer sobre eles uma força e um poder com que eles tiveram de se confrontar.
É exactamente porque as crianças e os jovens são fruto da sociedade que é necessário e imprescindível que vão à escola. E é ainda por essa mesma razão que os professores não podem demitir-se daquilo que só eles podem fazer. E é finalmente por essa razão que estes alunos, que não tiveram em casa outra “educação”, só podem esperar da escola – mesmo quando explicitamente o recusem – aquilo que só a escola lhes pode dar.
Mas não tenho dúvida de que, na maioria das vezes, aquilo que a escola está pronta para lhes dar não tem nada a ver com aquilo que é a vida que eles têm e querem ter.
Um colega contou-mo esta semana. Um aluno não ia às aulas. Ele foi falar com ele.
- O professor não compreende. A escola não me diz nada. Eu já sei o que quero. Já sei o curso que vou tirar quando sair daqui. Isto não me interessa nada.
Aquele já sabia. Estava salvo, espero eu, embora não pela escola. Mas a grande maioria deste tipo de alunos não está salva. Pelo contrário, está no caminho da perdição. Ou seja, perdidos deles mesmos, perdidos de um lugar digno na sociedade e perdidos para a nossa sociedade. Mas ganhos pela sociedade marginal, em que alguns já se encontram.
Eu sei que já disse isto algures. Reafirmo-o aqui.

* Há mesmo um ditado índio, ou africano?, que diz que
«é precisa toda uma aldeia para educar uma criança»

P.S. 1 – Devia falar agora de “a carta”, a famosa do momento, mas não tenho tempo. Pode ser que o tenha noutra ocasião.
P.S. 2 - Ah, e obrigado pela sua visita à minha aula no seu tempo de aluno.
 
Pergunta
- Sem ofensa. O professor é que era «o gajo que sobre para cima das mesas»?
Ri-me, é claro. Era o eco do comentário de Pedro Oliveira a uma entrada minha aqui.
- Sim e não, respondei. Sim, é a mim que se refere, e sim, uma ou outra vez subi para a mesa de professor na sala de aulas. Mas não era costume. Ocorreu uma ou outra vez em circunstâncias concretas.
A primeira vez, foi para chamar a atenção dos alunos. Era naquele tempo em que consta hoje que os alunos eram todos santos e bem comportados. Mas as aulas eram de duas horas e o assunto era difícil e eles estavam cansados. Já era difícil estarem atentos. Subi para a secretária. Era impossível não prestarem atenção. Dei-lhes o recado devido, qualquer coisa como “o que merecia atenção era aquilo que nem estavam a ouvir”.
Depois, foi como exemplo de decisão. Em todos os momentos temos de decidir, não podemos não decidir, mesmo quando não parece. Por exemplo, estou a dar esta aula normalmente e parece que não há nada a decidir. Mas eu podia fazê-lo de cima da mesa – e subi para a mesa. Era a expressão teatral de que há sempre múltiplas possibilidades, mesmo quando parece que não.Reconheço que há nas minhas aulas uma dimensão, assumida, de teatralidade, que desenvolvi e quis conservar do tempo em que encenei teatro no Pego. Ainda hoje os meus alunos beneficiam e eu sou devedor dessa minha experiência de uma dezena de anos.
 
Obrigado
... de novo. Desta vez a Joana Sousa
http://joanarssousa.blogspot.com/
que se fez eco do nosso blogue.

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