quinta-feira, junho 12

 
“A invenção do Amor”
Última aula. Que havemos de fazer que tenha sentido? Apesar dos pedidos, poucos, serem de “deixe-nos ir embora” ou, mais neste caso, de “deixe-nos sair mais cedo”.
- Vou ler-vos um poema. Um poema de amor. Por acaso é sobre o amor entre um homem e uma mulher. Mas podia ser – e aqui significa – qualquer forma de amor, porque qualquer forma de amor é uma forma do mais fundamental Amor à Vida. E não há nada mais importante. Será, portanto, uma homenagem a todos os que amam a Vida, portanto também a vocês na medida em que amam a Vida. E é, é claro, um desafio e um convite ao Amor à Vida em todas as suas formas.
Depois, expliquei que é um poema onde se torna nítida a sociedade portuguesa do tempo da ditadura, com todos os seus constrangimentos. Lembrei-lhes o caso recente da Birmânia, onde a ditadura impediu o acesso do socorro humanitário para que a ordem política não fosse contagiada. Referi que o poema era um pouco longo para o que estamos habituados, mas que valia a pena. Disse, inclusivamente que é um poema tão bonito que esteve na origem do nome que pusemos ao meu filho, Daniel Filipe.
E li. O melhor que pude.
Percebia-se que estavam a gostar.
Depois, despedimo-nos com um voto verdadeiro de Boas Férias.
Nalguns casos, foi um Até Sempre, pois vão mudar de escola para efeitos de mudança de curso.
 
A greve
Penúltimo dia de aulas. Greve da função pública. A escola não abriu.
A turma da ficha sobre a aula anterior não teve a última aula, que deveria casar a sessão sobre a música com a que seria no dia seguinte a aula da outra turma.
São os custos, quer de termos tido que fazer a ficha, quer da greve. O que mais me custou foi não me poder despedir deles. Afinal, foi um ano intenso de trabalho. Mas não ficaram dispensados de entregar o texto de balanço.
 
A música
Era a última aula com condições de ser aula. Dediquei-a à música. Por isso entraram ao som de música.
Começámos por uns momentos de música clássica, a 5ª sinfonia de Beethoven, depois saltámos para uma peça de música erudita contemporânea, para fazermos um contraponto. De seguida, visitámos várias peças de música coral, que eu queria terminar com um trecho cantado pelo Orfeão de Abrantes, para lhes chamar a atenção para o facto de que também por cá há vários grupos a produzir música.
Fizemos depois uma viagem pela música religiosa. A música exprime algo que vem de dentro. A actividade religiosa e os valores religiosos são a outra parte do programa que não demos, porque escolhemos, em alternativa, a actividade estética e os valores estéticos. Vamos ver como diferentes culturas exprimem a sua religiosidade cantando. E ouvimos pequenos trechos de música religiosa tibetana, gregoriana e ortodoxa russa, entre outras.
Para terminar, fizemos um pequeno “concurso”: de que cultura, de que povo são as canções que vamos ouvir? Índios americanos, gregos, peruanos, tuaregues, e outros passaram pela nossa sala sob forma musical. O que dissemos em conclusão foi apenas o reforço do que tinha ficado evidente na actividade.
 
O balanço
Porque é mais fácil em casa e porque têm mais tempo para prepararem o que devem dizer, marquei para a aula seguinte um texto de avaliação e balanço do que foi este ano.
- É obrigatório fazer. Porque é a forma de pagarem aos vossos colegas dos anos anteriores o que com os seus balanços me ajudaram a perceber o que resulta mais e menos. E vocês devem-lhes o que de melhor eu consegui fazer convosco. Os vossos textos vão ser vir para os alunos seguintes. Que, em princípio serão vocês no próximo ano. Por isso, podem apresentar sugestões.
Não houve reclamações.
 
O design
A sociedade de produção em série e de consumo generalizado traz vários problemas. Por exemplo... E, com a ajuda do livro, levantámos alguns.
Mas fiz questão de começar por recuperar alguma informação que eles já devem ter.
- Se são problemas novos, isso quer dizer que antes desta sociedade havia outra. E vocês já sabem como era, porque já o estudaram, pelo menos em História. Vamos lá caracterizá-la.
É importante estabelecer articulações com outras disciplinas. É importante que os alunos se habituem a mobilizar conhecimentos adquiridos - também noutras disciplinas - para terem um papel activo na procura e organização do conhecimento. É mesmo muito importante que eles experimentem a utilidade dos conhecimentos (anteriores) no próprio processo de construção e organização do conhecimento. É muito bom que eles se sintam capazes de resolver problemas intelectuais com conhecimentos que só aprenderam na escola.
E lá construímos em conjunto uma caracterização da sociedade pré-industrial em confronto com a sociedade industrial: produção artesanal / produção em série, rural / urbana, etc.
Depois, sobre isso, tratou-se de descobrir, com o apoio do livro, que problemas é que isso traz no campo da estética.
Na segunda parte da aula, apresentei alguns objectos de design. Objectos de produção em série, mas onde o aspecto estético estava casado com a melhor funcionalidade. Um clip, de certo modo símbolo máximo do design, uma garrafa tradicional e um de elevado design, que analisámos em conjunto, etc. Mas fiz também questão de lhes apresentar um cocho e uma base para incenso, para poderem constatar que há ali de certo modo o mesmo que no objecto de design técnico: são objectos dotados de beleza e mesmo elegância, perfeitamente adaptados à sua função pois nada se lhes pode tirar sem prejuízo... A grande diferença é que o design é baseado num método de investigação sistemática que deve levar a um resultado qualificado.
Gostaram.
 
A ficha
Creio que até ao último momento houve a expectativa de que não haveria ficha. E iam nesse sentido algumas intervenções de última hora. Eu reconheço aos alunos o direito de tentarem levar a água ao seu moinho. Mas, na hora, a ficha foi distribuída para resolução. E era sobre a matéria da aula que tinha ficado em falta. Sem comentários ou reclamações.
No final, depois de recolher as respostas, disse:
- Sei que há quem queira reclamar, sempre disse que não são obrigados a concordar comigo, quem tiver alguma coisa a dizer é agora o momento de fazê-lo.
E houve quem o fizesse. É bom que os alunos possam apresentar os seus pontos de vista, as suas reclamações. Por vezes, a decisão final pode ter em consideração os seus pontos de vista, noutras ocasiões, como esta, nem pensar. Mas isso não impede que possam expressá-las. Terminei com uma palavra de respeito por quem pensa diferente e passámos a diante.
Mais tarde, mais que um aluno me agradeceram pela lição que lhes tinha dado: que têm de caminhar para o que querem e precisam, dito na minha linguagem.
Este episódio, no entanto, roubou meia aula. Numa ponta final, vai haver prejuízos que não são evitáveis. Resta-me minimizá-los.
 
O regresso
No dia seguinte, senti que havia no ar um ponto de interrogação. Não tínhamos aula, mas não é possível não nos cruzarmos nos corredores.
Por mim, não havia nada a considerar. Era um dia como outro qualquer. Eu não estava zangado, não tinha nenhum contencioso pendente. Cumprimentei os alunos que encontrei como sempre costumo cumprimentar.
Senti que alguma tensão se desanuviava. Também não tive dúvidas de que isso podia estar a ser interpretado como sinal de que não haveria a tal ficha. Mas isso não era da minha conta.
Mais tarde, recebi um mail duma aluna que não tinha ido à aula, a perguntar se sempre era verdade que havia ficha. É claro que há ficha.
 
O gosto e a Estética
Pelo manual, fomos descobrir as diferenças entre Juízo de gosto e Juízo estético segundo Kant.
Os objectivo são múltiplos. O mais importante é levá-los a pensar que no campo da Arte não basta ficar-se pelo gostei ou não gostei. Aliás, em Filosofia encontramo-nos no domínio do pensar argumentativo. E procuramos argumentar face a todo e qualquer homem dotado de inteligência. Portanto, é fácil perceber que Kant distinga estes dois tipos de juízo.
Já sabemos o que é um juízo. “É uma afirmação”, disseram.
Kant distingue três tipos de juízo: científico, moral e estético.
Vamos tipificá-los:
Juízo científico: A é B.
Juízo moral: N é bom.
Juízo estético: X é belo.
O livro dava-nos algum apoio para esta formulação. E as coisas andaram, em regime de procura conjunta dialogada.
O pior foi que, numa das turmas, talvez por estarmos já em hora de pensar mais em almoço que em juízos estéticos e porque começa a pairar um cheiro a fim de ano escolar, não foi fácil conduzir o diálogo e, às tantas tornou-se praticamente ineficaz.
Zanguei-me, talvez seja este o termo. Já lhes tinha chamado por duas ou três vezes a atenção, sem resultados. Lembrei-me que tinha sido aquela mesma turma a ter o menos eficaz comportamento no atelier de Lucília Moita: não que se tivessem portado mal, mas havia um certo ruído perturbador, que denunciava um menor investimento de atenção e concentração no que estava a passar-se. Senti, como sempre, aquilo que mais me incomoda: o funcionamento de uma turma que trabalha contra si própria, que a impede de obter resultados (e isso ocorre justamente nas turmas que mais precisam de resultados, o que deve ser investido para: os menos bons resultados são produto do menos bom comportamento). E a pergunta é sempre a mesma: que posso eu fazer? Sim, porque, nestas circunstâncias só eu posso fazer alguma coisa para corrigir a situação.
Com a intensidade com que estava a viver o momento disse-lhes:
- Se é assim que querem, tudo bem. Para a próxima aula, vamos fazer uma ficha sobre a matéria de hoje. Esta é matéria que devem compreender. Se me estão a dizer que não precisam de mim, tudo bem. Por hoje, não tenho mais nada a dizer.
E sentei-me.
Houve as naturais reacções do “não faça isso”, “não está a falar a sério”, mas nada mais havia a dizer.
Quando saímos, o ambiente estava pesado. Mas o almoço era, então, a maior urgência.
 
Parar, Escrever
Não basta, quando estamos em Filosofia, só em Filosofia?, viver as coisas. É importante tomar consciência delas e pensar sobre elas.
Por isso pedi-lhes um texto sobre a nossa visita ao atelier de Lucília Moita e o nosso encontro com a artista.
Há sempre uma reacção de recusa, de enfado, de resistência. Eu diria que é normal dada a idade, mas é melhor rectificar: dada a nossa natural tendência para resistir ao que não nos nasce de dentro.
Expliquei-lhes, isto é, repeti a importância da reflexão e que a Filosofia é a casa da reflexão. Lá meteram as mãos ao trabalho.
- Lembrem-se de duas coisas. Primeira: o que se pede não é que contem a visita, mas que façam a “vossa” reflexão sobre a visita. Segunda: não comecem já a escrever, pois quem não tem ainda nada para dizer não pode escrever alguma coisa com interesse, e ouviram a nossa pintora a dizer para não se contentarem com pouco.

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