domingo, dezembro 9

 
Caro Pedro Oliveira
Obrigado pela sua visita ao nosso blogue e obrigado também pelo seu comentário. E por nele continuar o nosso “confronto argumentativo” que vem já de outro lugar.
Não duvido de que é pelo confronto de ideias – ideias diferentes, é claro – que cada um de nós avança e que algo avança entre nós.
Discordo, é claro, da sua afirmação: «Gostei da ler este «post», dá-me razão (eu gosto de ter razão) o colectivo é a soma de comportamentos individuais.» Não dá qualquer razão, mas não vou voltar a isso. O todo nunca é a soma das partes. E é por isso que bons rapazes e raparigas podem tornar-se diabretes quando em grupo. Mas essa discussão já tivemos, embora não aqui.
Mas sobretudo surpreende-me a sua afirmação: «Gostei do modo como agiu, contrariando os seus próprios princípios, aquelas crianças são fruto da sociedade onde foram criadas e têm de ter liberdade e tal...»
Não vejo, minimamente, onde é que “contrariei os meus princípios”. Não há – não tenho - qualquer dúvida de que cada criança, tal como cada adulto, é fruto, ou é produto, da sua sociedade e da história pessoal que nela viveu. Reafirmo-o.* E aquilo que eu fiz naquela aula foi a confirmação disso mesmo. Naquele momento, eu era a sociedade com que cada um se confrontava. Era eu que podia exercer sobre eles uma força e um poder com que eles tiveram de se confrontar.
É exactamente porque as crianças e os jovens são fruto da sociedade que é necessário e imprescindível que vão à escola. E é ainda por essa mesma razão que os professores não podem demitir-se daquilo que só eles podem fazer. E é finalmente por essa razão que estes alunos, que não tiveram em casa outra “educação”, só podem esperar da escola – mesmo quando explicitamente o recusem – aquilo que só a escola lhes pode dar.
Mas não tenho dúvida de que, na maioria das vezes, aquilo que a escola está pronta para lhes dar não tem nada a ver com aquilo que é a vida que eles têm e querem ter.
Um colega contou-mo esta semana. Um aluno não ia às aulas. Ele foi falar com ele.
- O professor não compreende. A escola não me diz nada. Eu já sei o que quero. Já sei o curso que vou tirar quando sair daqui. Isto não me interessa nada.
Aquele já sabia. Estava salvo, espero eu, embora não pela escola. Mas a grande maioria deste tipo de alunos não está salva. Pelo contrário, está no caminho da perdição. Ou seja, perdidos deles mesmos, perdidos de um lugar digno na sociedade e perdidos para a nossa sociedade. Mas ganhos pela sociedade marginal, em que alguns já se encontram.
Eu sei que já disse isto algures. Reafirmo-o aqui.

* Há mesmo um ditado índio, ou africano?, que diz que
«é precisa toda uma aldeia para educar uma criança»

P.S. 1 – Devia falar agora de “a carta”, a famosa do momento, mas não tenho tempo. Pode ser que o tenha noutra ocasião.
P.S. 2 - Ah, e obrigado pela sua visita à minha aula no seu tempo de aluno.
Comments:
Caro Prof. Alves Jana

Entendi este espaço (parece-me que bem) como um espaço de partilha de experiências e, também, como o nome do «blog» parece indiciar um espaço para filosofar e falar ou melhor para ir filosofando e falando.
[«Gostei do modo como agiu, contrariando os seus próprios princípios, aquelas crianças são fruto da sociedade onde foram criadas e têm de ter liberdade e tal...»
Não vejo, minimamente, onde é que “contrariei os meus princípios”. Não há – não tenho - qualquer dúvida de que cada criança, tal como cada adulto, é fruto, ou é produto, da sua sociedade e da história pessoal que nela viveu.]
A nossa discussão/debate anterior passava por aqui, simplificando o senhor defendia que o homem é quase, exclusivamente, condicionado pelo meio, com um compositor daqueles como mestre, também, eu seria um excelente músico [estou a simplificar bastante] eu defendia que o meio condiciona e determina mas a vontade, as escolhas pessoais predominam (também estou a simplificar muito a minha opinião).
[às tantas, um aluno diz para o outro:
- Vá, enfrenta lá esse.
"Esse" era eu. Parei e olhei-o de frente.
- Diz lá.
- Eu não disse nada.
- Ainda bem que não disseste aquilo que eu ouvi.
E virei-me para o outro, o que devia desafiar-me, olhando-o também de frente.
- É preciso alguma coisa?
- Não, disse. E olhou para o outro.]
O extracto acima parece-me uma abordagem pouco «filosófica» à questão. Agiu, precisamente, do mesmo modo que eu agiria numa situação semelhante, o confronto homem a homem, um indivíduo «versus» outro, não aplicou nenhuma terapia de grupo, nem se preocupou com a liberdade do aluno em «enfrentar» (mais à frente veremos que nem existiu liberdade de irem ao WC).
Volto a afirmar que eu teria feito o mesmo, contudo, parece-me (posso estar errado, obviamente) que de si seria expectável uma atitude mais tolerante e condescendente, tipo:
- Coitados, eles são bons (perspectiva «roussiana» da coisa)mas a malvada da sociedade faz com que sejam uns indisciplinados...
Para terminar, manifesto o meu apreço por este «blog» não é fácil (nem comum) partilhar as aulas desta forma aberta.
Julgo que a «coisa» ganharia outra dinâmica com comentários de alunos e professores.
Quanto ao meu comentário anterior vou realçar um ponto que terá passado despercebido, dantes podíamos escolher (nos «furos» ou nas faltas dos professores) as aulas que queríamos assistir ou se preferíamos ficar a estudar ou a namorar ou a dormir ou, ou, ou (como diria o pai Natal) agora os miúdos (os alunos actuais) não são livres, têm aulas de substituição.
 
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