quinta-feira, abril 10

 
Substituição
Quinta-feira, primeira hora. Fui chamado a fazer uma substituição. Naquela turma do 7º ano onde já, uma vez, tinha enfrentado um ambiente difícil. Quando me viram, torceram logo o nariz, como se lhes tivesse saído uma carta indesejada.
Logo ao sentar, houve problemas. Um aluno, aquele que na outra aula tinha criado maior confusão, queria sentar-se lá ao fundo num lugar já ocupado.
- Não, tu vais sentar-te lá à frente.
- Ai isso é que não vou.
- Vais sim senhor.
E, num momento, revi em memória as imagens do duelo do telemóvel. Não podia deixá-lo fazer a briga que queria com o colga, nem deixá-lo lá atrás, mas também não podia eu entrar em briga com ele. Insisti, portanto, mas sem atitude de confronto, que tinha de ir para a frente.
- Então, vou-me embora.
E saiu.
Num outro foco de tensão que já crescia, mandei uma aluna vir para a frente, para o pé de mim.
- Isso é que não vou. Eu não quero fazer nada.
- Eu não disse para fazeres, Disse que vens aqui para o pé de mim.
Peguei-lhe na mochila e trouxe-a para a primeira carteira. E ajudei-a a vir também. De manifesta cara de contrariada.
- Também quero ir-me embora. Posso?
- Tu é que sabes.
Saíram três. Na sala, fez-se um momento de silêncio.
- Podemos jogar?
É claro que não podíamos jogar. Mas também era claro para mim que a coisa não iria ser fácil.
Resumindo: durante toda a aula houve um trabalho de equipa, de equipa formada em treino já prolongado, para sabotar tudo o que poderia ser feito. Como sempre acontece nestes casos, não de modo manifesto, ou enfrentando directamente o professor, mas com bocas dispersas, ruídos estratégicos, comentários foleiros, etc.
Foi necessário ir fazendo frente a todas as situações.
- Têm alguma proposta de trabalho? Que iriam fazer se tivessem aula?
Trabalho de projecto. Quiseram ir à Biblioteca buscar os computadores portáteis para poderem consultar a Internet. Nem pensar, é claro. Eu não conseguiria ter um mínimo de controlo numa aula em que teríamos Internet e nada para fazer aí.
Alguns quiseram fazer os “trabalhos de casa de Inglês”. Seja, então. Os outros, nada.
- Que aula vão ter a seguir?
Português. Óptimo. Vamos ler, que vocês precisam de saber ler. E escrever. (Contestação geral.)
- Ainda há pouco, em Abrantes, um engenheiro esteve quase a ser despedido por não saber escrever em condições os relatórios que tinha de fazer.
- Eu não quer ser engenheiro.
Burro! Eu, claro. Como é que vou querer motivar-lhes um comportamento com uma profissão que está completamente fora do seu imaginário pessoal?
Abrindo brechas por dentro da confusão, lá abrimos o livro, pedi a uma aluna que viesse para junto de mim, para eu poder ler pelo livro dela, e eles escolheram um texto dramático. Distribuímos as personagens e entreguei também a leitura das indicações de cena. E começou a leitura.
Havia um silêncio relativo. E um relativo trabalho de boicote. Por várias vezes, três?, tive de retirar folhas de jogos. Mas a leitura continuava. Aqui ou além, referia que podia haver uma leitura melhor. No final da cena batemos palmas aos leitores.
E fizemos assim em três cenas diferentes.
Parámos, porque eles estavam já a ficar pouco atentos. O tempo de concentração deles é curto.
- Pegam no caderno ou numa folha de papel – não é para entregar! – e vamos escrever.
Alguns dos que estiveram a ler quiseram agora fazer os trabalhos de Inglês. Que façam. Aos outros, fiz-lhes um ditado.
Agora, abrem o livro e vêem quantos erros deram. Zero, um, três...
- Então, escrevem três ou quatro vezes cada uma dessas palavras para aprenderem a escrevê-las.
E assim fizeram. Entretanto, era hora de arrumarmos as coisas, e sair.Doía-me a garganta do esforço feito. No intervalo, tive de fazer alguns exercícios de recuperação. E seguir para a próxima aula.
Comments: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?