domingo, abril 27

 
A geração do ecrã - 2
Sim, é verdade que este não é um caso único, nem será talvez dos mais graves. Foi apenas o que teve “direito” a uma exposição pública, o que teve o mediatismo que poucas outras notícias conseguem alcançar.
Coisas semelhantes acontecem todos os dias nas escolas. Nas escolas do Porto, das escolas de Portugal, nas escolas do Mundo. Não é por certo novidade para ninguém minimamente atento, o rol de casos de alunos que entram em escolas dos EUA e matam uns quantos alunos e professores sem olhar para trás.
Levanta-se portanto uma questão importante: Qual é a “falha”, que há para que as nossas crianças estejam a ser educadas pelo ecrã? Porque é que isto acontece?
Hoje em dia as crianças passam 90% do seu tempo fora de casa. Quando chegam a casa, durante a semana, jantam, tomam banho, vêem um pouco de televisão e vão dormir. Vêm exaustas da escola, das actividades extracurriculares, não se lhes pode exigir que façam muito mais. Afinal, não passam de crianças
Os pais por sua vez, trabalham durante todo o dia, chegam a casa tarde e a cabeça disponível para dispensar um pouco de tempo àquelas crianças que vagueiam pela casa também não é muito.
A nobre tarefa de educar estas crianças de forma “humana” caberá portanto às pessoas que passam mais tempo com elas. São eles professores, educadores, auxiliares de acção educativa, e tudo esse rol de profissionais que muitas vezes passam mais tempo em contacto com estas crianças que os próprios pais. Cabe-lhes a elas cuidar destas crianças. Educá-las, humanizá-las, fazerem delas seres humanos e não apenas pessoas. De pessoas está o mundo cheio.
Ou será que o papel dos professores é meramente o ensino da parte curricular? Não lhes caberá também a tarefa de ajudar os seus alunos a formarem-se, ajudá-los a tornarem-se alguém?
Não culpemos portanto as crianças, os jovens. Lembremo-nos de que as crianças e os adolescentes estão a crescer, a formar-se, a fazer-se. Estão a procurar bases de sustento para formarem, para encontrarem o seu “eu”.
As crianças e jovens não são como são por querem. São assim porque só sabem ser assim. Porque são os exemplos que vêem. Nunca ninguém lhes disse que não era assim, que era assado.
Não podemos esperar que alguém saiba distinguir o bem do mal, o que é certo do que é errado se nunca for ajudado a perceber as duas vertentes. A perceber porque é que isto está certo e aquilo está errado, isto é bom e aquilo é mau.
Contudo, volto a realçar que, felizmente, ainda há por aí muita criança que não foi educada pelo ecrã. Generalizar é arriscado.
Joana Paulo, 10ºC

Dá cá o telemóvel
A notícia “encheu o papinho“ a todos os meios de comunicação e, cada um, à sua maneira, produziu comentários para todos os gostos. Foi o último grande tema de discussão, exposto na Internet e publicitado pela televisão. Como também se tem referido ao longo do último mês, este caso não é único em Portugal, é somente um entre muitos outros. Nas ilhas e de Norte a Sul de Portugal, muitos casos semelhantes devem ter ocorrido. Provavelmente, casos onde foi evidente ainda mais desrespeito da parte dos alunos pelos professores.
No entanto, existem vários tipos de alunos. É verdade que se perguntássemos a alguns como é que eles reagiriam àquela situação, enquanto uns responderiam:
- Da mesma forma, claro!
Outros diriam:
- Eu jamais procederia daquela maneira!
O que pretendo concluir é que, por um lado, não podemos criar um estereótipo de alunos mal comportados, sem normas e desrespeitadores. Devemos julgar, em cada caso, as suas acções, condenando-as ou não.
Por outro lado, é fulcral compreender que o que aconteceu não é só culpa da aluna, é também um problema da sociedade portuguesa. Essa mesma sociedade que se enche de indignação ao ver aquele vídeo e que, em sentido figurado, atirou a primeira pedra, é a culpada daquela atitude. Isto porque aquela jovem está a ser criada num mundo em que os telemóveis estão, passo a passo, a fazer parte do indivíduo. Os telemóveis fazem já parte da satisfação de uma necessidade dos humanos, a necessidade de comunicação com outros indivíduos.
Ora como é possível que pais, jornalistas e professores, que normalmente são a favor do uso de telemóveis (pois é uma mais valia no desenvolvimento), conduzem com o telemóvel na mão, usam-no nas bombas de gasolina e não os desligam nos funerais, venham criticar o comportamento da aluna, adjectivando-o como escandaloso?
O problema é uma questão de formação. Para aquela aluna o telemóvel era uma parte da sua intimidade. Da mesma forma que, se um cão for treinado, mesmo com o comer à frente, só come se o dono lhe der ordem, mas se o cão não estiver treinado e o dono lhe for tirar o osso que está a comer, ele morde o dono. E, neste último caso, ninguém acusa o cão de desrespeito pelo dono, pois toda a gente sabe que se trata de um comportamento normal do animal.
A sociedade onde vivemos está a tornar-nos viciados nos telemóveis. Já não vivemos sem eles. Tornaram-se num apêndice do qual já não nos conseguimos livrar, nem sequer por 10 minutos, quanto mais por hora e meia.
O alerta é: vamos manter a nossa racionalidade, vamos preservar os valores dos nossos avós e vamos usar o telemóvel só quando for mesmo preciso. Caso contrário, qualquer dia estamos de gatas, como o cão, mas só com três patas no chão, porque a outra está a segurar no telemóvel.
Raquel Lalanda, 10ºC

A geração do ecrã - 1
Recebi, por mail, mais um daqueles textos que circulam como a água escorre para o rio. Mandei-o aos meus alunos e pedi-lhes um comentário. Deixo o texto. Deixarei os comentários que receber.
«Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os 'Morangos com açúcar', só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter ficado surpreendido.
Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso arrumava-se.
Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar - é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas escolas).
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a violência existe!
O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.
Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs.
E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.
E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.
A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.
A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de comportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.
E nós deixamos.»
Comments:
A propósito do texto da Raquel:

Será correcto comparar os adolescentes a cães? É verdade que somos inevitavelmente influenciados pelos outros, pela nossa sociedade, pela cultura em que estamos inseridos. Mas não é o homem que se diferencia dos outros animais, por ser capaz de fazer ou não fazer, fazer assim ou de outro modo?
 
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