quinta-feira, novembro 29
Que fazer?
Hoje fui chamado a fazer uma substituição imprevista. Era um 7º ano. Avisaram-me logo na sala de professores de que era uma turma terrível. Foi bom, pois nada me iria surpreender.
Mesmo assim, fiquei chocado.
O 7º ano foi o único que nunca leccionei. Já trabalhei no primeiro ciclo, no segundo, no terceiro, no ensino superior, mas nunca tive alunos do 7º ano. E sobretudo há muitos anos que ando só pelo secundário (e superior). O que eu vi ilustrou muito do que eu tenho ouvido aos meus colegas.
Era uma turma grande. Mas, vi-o depressa, ali ninguém pode aprender seja o que for, a não ser a sobreviver no meio da confusão.
Pelo menos um terço dos alunos, números por alto, não tem nada que passe pela escola. Não estão ali para absolutamente nada. Outro terço talvez tenha alguma coisa a ver com a escola, mas naquele ambiente deixam de ter. O outro terço conforma-se e tenta salvar-se.
Repito. Não é possível, naquelas circunstâncias, fazer o que quer que seja. Excepto fingir que se faz.
Perguntei se tinham alguma proposta de trabalho. Perguntaram-me se podiam estudar para Português, que tinham ponto a seguir.
- Que vem para o ponto?
Lá me fizeram uma lista e terminaram com "um texto", do livro.
- Então vamos ler esse texto.
Disseram logo que sim, os que disseram, é claro. E foi a confusão. Só uma parte tinha trazido livro, porque iam ter teste, disseram. Tinha lógica. Então, foi necessário distribuir os que não tinham livro como pares dos que tinham. O esforço de criar algazarra era permanente. Mas lá conseguimos iniciar a leitura. Muitos queriam ler, mas tinha de ser um de cada vez. Aí não correu mal.
O problema eram aqueles que não estavam dispostos a acompanhar a leitura. E que, distraídos, estavam disponíveis para tudo menos para ler. Foi uma luta permanente contra o dilúvio, com a barragem sempre a ameaçar ruína.
às tantas, um aluno diz para o outro:
- Vá, enfrenta lá esse.
"Esse" era eu. Parei e olhei-o de frente.
- Diz lá.
- Eu não disse nada.
- Ainda bem que não disseste aquilo que eu ouvi.
E virei-me para o outro, o que devia desafiar-me, olhando-o também de frente.
- É preciso alguma coisa?
- Não, disse. E olhou para o outro.
Faltava meia hora para o fim da aula. Eu devia fazer alguma exploração do conteúdo do texto. Ou até uma segunda leitura. Com apenas uma leitura, ainda por cima naquelas circunstâncias, pouco podem ter apreendido. Mas percebi, sei lá se bem, que não seria possível obter quaisquer resultados por esse lado.
Deixei-os, então, estudar aos pares.
Nos últimos quinze dezoito minutos começou outra frente de batalha.
- Professor, posso ir à casa de banho?
- Não.
E até final foi um pingue-pongue, entre o "eu vou-me embora e marca-me falta, porque já não aguento mais" e o "não vais que eu não te deixo sair, porta-te como um homem, que já tens idade para isso e não como uma criança, que já não és"; “ah, isso agora é assim?”, “exactamente, agora é assim para a próxima vais antes”.Antes de sair, escrevi no quadro: «A sorte é o encontro entre a preparação e as oportunidades.» E expliquei: todos queremos ter sorte, e vocês também; as oportunidades estão por aí em cada esquina; a forma de podermos aproveitá-las é apostarmos na preparação; mas creio que vocês não estão a cuidar das vossas vidas. A vida é vossa, o que não fizerem por vocês ninguém poderá fazer.
Hoje fui chamado a fazer uma substituição imprevista. Era um 7º ano. Avisaram-me logo na sala de professores de que era uma turma terrível. Foi bom, pois nada me iria surpreender.
Mesmo assim, fiquei chocado.
O 7º ano foi o único que nunca leccionei. Já trabalhei no primeiro ciclo, no segundo, no terceiro, no ensino superior, mas nunca tive alunos do 7º ano. E sobretudo há muitos anos que ando só pelo secundário (e superior). O que eu vi ilustrou muito do que eu tenho ouvido aos meus colegas.
Era uma turma grande. Mas, vi-o depressa, ali ninguém pode aprender seja o que for, a não ser a sobreviver no meio da confusão.
Pelo menos um terço dos alunos, números por alto, não tem nada que passe pela escola. Não estão ali para absolutamente nada. Outro terço talvez tenha alguma coisa a ver com a escola, mas naquele ambiente deixam de ter. O outro terço conforma-se e tenta salvar-se.
Repito. Não é possível, naquelas circunstâncias, fazer o que quer que seja. Excepto fingir que se faz.
Perguntei se tinham alguma proposta de trabalho. Perguntaram-me se podiam estudar para Português, que tinham ponto a seguir.
- Que vem para o ponto?
Lá me fizeram uma lista e terminaram com "um texto", do livro.
- Então vamos ler esse texto.
Disseram logo que sim, os que disseram, é claro. E foi a confusão. Só uma parte tinha trazido livro, porque iam ter teste, disseram. Tinha lógica. Então, foi necessário distribuir os que não tinham livro como pares dos que tinham. O esforço de criar algazarra era permanente. Mas lá conseguimos iniciar a leitura. Muitos queriam ler, mas tinha de ser um de cada vez. Aí não correu mal.
O problema eram aqueles que não estavam dispostos a acompanhar a leitura. E que, distraídos, estavam disponíveis para tudo menos para ler. Foi uma luta permanente contra o dilúvio, com a barragem sempre a ameaçar ruína.
às tantas, um aluno diz para o outro:
- Vá, enfrenta lá esse.
"Esse" era eu. Parei e olhei-o de frente.
- Diz lá.
- Eu não disse nada.
- Ainda bem que não disseste aquilo que eu ouvi.
E virei-me para o outro, o que devia desafiar-me, olhando-o também de frente.
- É preciso alguma coisa?
- Não, disse. E olhou para o outro.
Faltava meia hora para o fim da aula. Eu devia fazer alguma exploração do conteúdo do texto. Ou até uma segunda leitura. Com apenas uma leitura, ainda por cima naquelas circunstâncias, pouco podem ter apreendido. Mas percebi, sei lá se bem, que não seria possível obter quaisquer resultados por esse lado.
Deixei-os, então, estudar aos pares.
Nos últimos quinze dezoito minutos começou outra frente de batalha.
- Professor, posso ir à casa de banho?
- Não.
E até final foi um pingue-pongue, entre o "eu vou-me embora e marca-me falta, porque já não aguento mais" e o "não vais que eu não te deixo sair, porta-te como um homem, que já tens idade para isso e não como uma criança, que já não és"; “ah, isso agora é assim?”, “exactamente, agora é assim para a próxima vais antes”.Antes de sair, escrevi no quadro: «A sorte é o encontro entre a preparação e as oportunidades.» E expliquei: todos queremos ter sorte, e vocês também; as oportunidades estão por aí em cada esquina; a forma de podermos aproveitá-las é apostarmos na preparação; mas creio que vocês não estão a cuidar das vossas vidas. A vida é vossa, o que não fizerem por vocês ninguém poderá fazer.
Comments:
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Prof. Alves Jana, nunca foi meu professor mas eu fui seu aluno.
Pode parecer uma palermice o que escrevi mas não.
Naquele tempo (há muito tempo) não existiam aulas de substituição mas existiam alunos interessados (era o meu caso).
O professor tinha fama... «o gajo sobe para cima das mesas», «olha-nos de uma maneira que parece que nos hipnotiza» dizia-se, diziam-me colegas.
Um dia lá fui assistir a uma aula, pedi autorização e entrei, como quem vai ao cinema ou ao teatro.
Não desaproveitei o tempo, lembro (julgo lembrar-me) que fez o número de subir para a secretária e de falar de contexto e de pregar quadros à parede e tal...
Ganhou um leitor para o novo «blog», no entanto, esta catalogação de crianças remete-me (remete-nos?) para uma questão que já debatemos... a questão da responsabilidade individual e colectiva.
Gostei da ler este «post», dá-me razão (eu gosto de ter razão) o colectivo é a soma de comportamentos individuais, confrontando as lideranças «amansa-se» o grupo.
Gostei do modo como agiu, contrariando os seus próprios princípios, aquelas crianças são fruto da sociedade onde foram criadas e têm de ter liberdade e tal...
Pode parecer uma palermice o que escrevi mas não.
Naquele tempo (há muito tempo) não existiam aulas de substituição mas existiam alunos interessados (era o meu caso).
O professor tinha fama... «o gajo sobe para cima das mesas», «olha-nos de uma maneira que parece que nos hipnotiza» dizia-se, diziam-me colegas.
Um dia lá fui assistir a uma aula, pedi autorização e entrei, como quem vai ao cinema ou ao teatro.
Não desaproveitei o tempo, lembro (julgo lembrar-me) que fez o número de subir para a secretária e de falar de contexto e de pregar quadros à parede e tal...
Ganhou um leitor para o novo «blog», no entanto, esta catalogação de crianças remete-me (remete-nos?) para uma questão que já debatemos... a questão da responsabilidade individual e colectiva.
Gostei da ler este «post», dá-me razão (eu gosto de ter razão) o colectivo é a soma de comportamentos individuais, confrontando as lideranças «amansa-se» o grupo.
Gostei do modo como agiu, contrariando os seus próprios princípios, aquelas crianças são fruto da sociedade onde foram criadas e têm de ter liberdade e tal...
Finalmente alguém que tem uma opinião que coincide com a minha!
Este texto é realmente a prova de que a nossa sociedade nao esta pronta para receber este tipo comportamentos! É óbvio que, se estes miudos nao tiverem um incentivo para cuidarem da sua vida no presente e para o fututo serão a desgraça total!
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Este texto é realmente a prova de que a nossa sociedade nao esta pronta para receber este tipo comportamentos! É óbvio que, se estes miudos nao tiverem um incentivo para cuidarem da sua vida no presente e para o fututo serão a desgraça total!
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