domingo, maio 25

 
Alegrias e tristezas
Uma das minhas maiores alegrias como professor é ver como alunos que começaram como incapazes apresentam agora resultados que nem eu me atrevia a suspeitar de imediato nem eles se atreviam a esperar. Alguns traziam mesmo uma certeza segura de que nunca seriam capazes. Que agora, felizmente, se vê desmentida. Uma das maiores tristezas é constatar casos singulares em que essa conquista não foi possível ou, realidade muito próxima, ver que alguns alunos dão respostas muito correctas do ponto de vista formal mas em que é visível que são apenas textos “marrados”, produtos entrados na cabeça à força, mas a que não corresponde qualquer significado para quem os escreve. Nota-se que aquilo é “o que está no livro” e não a análise do que se passa no mundo. Nestes casos, há a certeza mais ou menos garantida de que daquele saber escolar nada se vai salvar para a vida. Resta apenas a esperança de que, algum dia, face a uma qualquer centelha, se acenda algum recanto da memória e algo ganhe sentido com base naquilo que na escola foi feito.
 
O baile
Na sexta, baile de finalistas. Alguns insistiram em que passasse por lá.
Passei.
Gostei muito de vê-los tão bonitos, tão a sério naquilo que para eles foi, sem dúvida, um momento alto. Também assim se cresce, também por essa via se fazem as mulheres e os homens que encontramos na escola. Gosto de vê-los aí, nesse outro mundo, fora do controlo escolar. E gosto, para resistir à tentação de reduzi-los à imagem que deles nos dá a sala de aulas.
Eles e elas são sempre mais que aquilo que deles vemos no lugar do nosso poder. Mas, se não os encontramos noutros espaço, só podemos ter deles as imagens escolares. E não é justo.
P.S. – Mais uma vez... Onde andam os rapazes? Havia-os lá, é certo, bastantes. Mas dos meus alunos e ex-alunos... só dois. E isso não pode deixar de ser significativo.
 
Cadáver?
D. Lucília Moita tinha, comigo, uma “pedra no sapato”.
Há muitos anos, numa sessão, creio que no Convento de S. Domingos, na sala onde hoje é o rés-do-chão da Biblioteca, analisava-se a obra de Lucília Moita e eu referi que “pintava cadáveres”. Ficou chocada. E disse-me várias vezes desse choque, mas sempre em circunstâncias que não propiciavam explicações.
E voltou a dizê-lo. Tantos anos depois, o que significa que a marcou fundo.
Foi agora o momento de explicar o que então quis dizer.
- Eu disse que pintava cadáveres - troncos carcomidos, muros velhos - mas como quem procura ressuscitar uma dignidade perdida, encontrar no que é por todos desvalorizado um valor estético que o olhar do artista encontra e nos oferece. E faz isso mesmo também com pessoas socialmente desvalorizadas.
- Ah, nesse sentido estou de acordo. É isso mesmo.A vida é feita de encontros e desencontros. E gostei que este re-encontro tivesse ocorrido frente aos meus alunos. Para eles terem um outro acesso à vida da cidade, que vai para lá da escola e dos circuitos que eles percorrem uns com os outros.
 
Maria Lucília Moita
S. Pedro não ajudou. Estava a chover, mas lá fomos, apesar de os alunos não terem guarda-chuva, que isso agora já não se usa. Mas acabou por ajudar, porque assim entraram todos de uma vez, vinte e cinco, e não por duas vezes como estava previsto. O que facilitou as coisas e estendeu o tempo de encontro.
Devo dizer que eles se portaram muito bem. Apesar da sobrecarga do estúdio, que não foi pensado para uma tão grande afluência, os alunos foram cuidadosos, respeitadores e atentos. Nem outra coisa eu esperava deles, justamente porque eu sabia que eles são capazes disso.
Maria Lucília Moita foi a simpatia, a disponibilidade e o carinho que nela conhecemos. E a artista, claro.
Acolheu-os num misto de artista e avó. Deu conta do seu percurso, tanto pictórico como literário, explicou um pouco os problemas da procura e as técnicas de resposta, mostrou o seu percurso como pintora, chamou a atenção para as grandes mudanças na sua obra, falou do coração, partilhou o seu encantamento com a vida e incentivou-os do início ao fim a que fossem insatisfeitos, a que não se contentassem, a que procurassem sempre mais.
Quando saímos, havia por dentro deles algo de subtil e intangível... que dá pelo nome de experiência estética. Foi precisamente por isso que ali fomos.
Obrigado, D. Lucília Moita.
 
Lutas - 2
Outra luta, bem mais complexa, é a dos alunos que escrevem mas para quem, aparentemente, as palavras não significam. Escrevem frases que não têm sentido, que eles próprios não são capazes de dizer de outro modo. Como se as palavras fossem... sei lá. Peças de roupa que se escolhem de um armário e tanto podemos vestir esta como podíamos escolher aquela. São frases cuja escrita parece estar desligada dos centros nervosos da significação.
Mais visível ainda é a leitura. Há muitos alunos que lêem apenas de modo mecânico. Dizem as palavras, mas é um dizer sem conteúdo. As palavras são sons, não se articulam em frases com significado. Essas leituras fazem-me sempre recordar as minhas primeiras aulas de grego. O professor ensinou-nos a ler e... pouco depois já estávamos a ler os textos finais da selecta (era assim que se dizia). É claro que não podíamos saber o que líamos, mas dizíamos o som do que lá estava escrito. Alguns, demasiados, dos meus alunos também são assim. Não lêem, dizem.
 
Lutas - 1
Tenho, como professor algumas lutas clássicas.
Uma delas é o título com aspas. Onde é que eles terão aprendido que o título se escreve entre aspas. Sim, porque eles aprenderam. Melhor, alguém lhes ensinou, e de forma tão eficaz que eles assim o escrevem e defendem o modelo. Costumo não discutir. Antes pego numa revista e num livro e digo: encontrem-me um título (que não seja citação) entre aspas e eu aceito. Deixam de argumentar, mas há sempre um ou outro que reincide.
Outra luta, perdida, é escrever Homem, portanto com maiúscula. Pergunto-lhes pela regra da gramática que lhes permite uma tal grafia, mas, mesmo sem resposta, insistem na famosa dignidade humana, tão digna que se perde se for utilizada a minúscula.Outra ainda, no 11º ano, é a escrita de “ciêntifica”. Luta perdida. Acaba o 11º ano e são vários, ainda, os alunos que escrevem desse modo. Há alguém que explique isto?
 
Que é o homem?
Quarta-feira. Reunião de Departamento, seguida de reunião (não formal) do Grupo de Filosofia. Mas tive de faltar.
Estive a dirigir uma sessão de formação de professores de Filosofia. O objectivo é promover o encontro dos professores de filosofia (que frequentam a acção) com as recentes conquistas da ciência. Por isso chama-se a acção de formação: De novo: O que é o homem? Não é aceitável que se continue a pensar como se as ciências não estejam a dizer nada de importante. A pergunta é a mesma de sempre, a resposta é que tem de ser recolocada de novo, com os meios de resposta que hoje temos à nossa disposição.
Creio que foi uma sessão bastante produtiva.
 
Mudança?
Confirma-se. A escola não mudará verdadeiramente enquanto não se sentir – sentir! – obrigada, de fora, a fazê-lo. É inútil acreditar em milagres.
Quem troca o certo apenas pelo risco ameaçador?
Mudança? Só quando o certo passar a incerto, ou mesmo ameaçado.

quinta-feira, maio 22

 
A obra, o artista - 2
Depois de uma pequena pausa, a meio da aula, transitámos do livro para o mundo. Digo do livro, porque diz-me a experiência que os alunos lêem o livro e não o mundo através do livro. Por isso, fiz questão de dar clara notícia de que é do mundo que falamos. E mesmo do nosso mundo do pé da porta.
Peguei num livro que é uma antologia de poetas populares de Abrantes e li-lhes o primeiro poema, por sinal sobre a liberdade, de que tanto temos falado aqui. E disse-lhes que eu próprio, com outra pessoa, era um dos antologiadores: - Digo-o não para falar de mim, mas para dizer que se ninguém fizer o trabalho de salvaguarda desta arte popular, ela desaparece sem deixar rasto. E o mesmo acontece com muita outra arte, que é preciso preservar e divulgar, para que chegue até nós.
Depois, mostrei-lhes um livro sobre arquitectura popular nesta zona de Abrantes. E disse que era outro trabalho que alguém tinha feito, Rui Serrano, também sobre uma arte que é popular mas nem por isso deixa de ser arte, nomeadamente arquitectura. E comentei ao de leve algumas imagens de pormenor.
De seguida, apresentei-lhes uma revista, inovadora, publicada pela Delegação da Ordem dos Arquitectos em Abrantes.
E passámos para a pintura. Mostrei-lhes um livro sobre Mário Cordeiro, de que a Câmara organizou uma exposição retrospectiva. O livro salva a memória do que fez em artes plásticas, mas falta ainda salvar a sua poderosa escrita, que não foi ainda publicada, salvo alguns textos creio que já esgotados. Tinha, é claro, a intenção de lhes passar a ideia de que há “tarefas” que precisam de ser feitas, e algumas com urgência.
Finalmente, sim, finalmente, falei-lhes de Maria Lucília Moita,
“uma artista que mora aqui na rua”
sobretudo como pintora e desenhadora,
mas também com obra escrita.
Li-lhes um poema e pedi-lhes que escrevessem um fragmento de outro. E apresentei-lhes a obra que a Câmara editou, com um estudo especializado, sobre a sua obra visual.
Para terminarmos com uma notícia. A próxima aula será a visita ao atelier da artista e um encontro com Maria Lucília Moita.Tratem de ler o que vimos hoje e vejam o que podemos perguntar à senhora. Não vamos para lá como turistas.
 
A obra, o artista - 1
O título, no livro, é
“A criação artística e a obra de arte”
e é o momento oportuno, penso eu, para olhar para perto de nós.
Comecei por perguntar “o que é um artista?” e pedir uma resposta com os elementos de que já dispomos. “Artista é aquele que produz uma obra de arte.”
Houve quem dissesse, na sequência das aulas anteriores, que também aquele que aprecia uma obra de arte é um artista. Sim. E, com a noção de “obra aberta”, de U. Eco, e os conceitos de ambiguidade e conotação, afirmei que a obra de arte é sempre incompleta e que aquele que com ela faz uma experiência estética sempre a completa no acto de interpretação.
Depois, começámos a ler e a sublinhar e, após dois parágrafos, pedi a resposta à mesma pergunta, “o que é um artista?”, mas agora utilizando os elementos fornecidos pelo manual. Para alguns foi muito difícil, mas acabámos por chegar lá: artista é a pessoa que produz um objecto, portanto artificial, com a intencionalidade de esse objecto proporcionar uma experiência estética.
Com esta definição eu pretendia, por um lado, ajudá-los a perceber alguns mecanismos do trabalho intelectual, por outro acentuar a intencionalidade incarnada no próprio objecto, ou seja, que o objecto visa um outro.
E continuámos a trabalhar pelo livro.
 
Contra os “apontamentos” - 5
Podemos fazer alguma coisa contra o vício de estudar pelos apontamentos.Sim, o vício. Estudar pelos apontamentos é uma espécie de toxicodependência estudantil. E é essa dependência que os impede de livrarem-se deles e entrarem numa vida intelectual saudável.
 
Contra os “apontamentos” - 4
Os apontamentos não são o objecto principal do estudo. Estuda-se pelo livro.
Os apontamentos podem ser, apenas e só, auxiliares do estudo do manual ou complemento do estudo do manual.
Mas... estudar é pelo livro, pelo manual. Porque ele é o único que oferece aos alunos garantia de qualidade àquilo que estudam.
 
Contra os “apontamentos” - 3
Eu sei, num saber de experiência feito, que os alunos não concordam comigo. E já começaram a refilar contra esta minha entrada aqui.
A verdade, porém, é que já fiz o teste inúmeras vezes e deu sempre o mesmo resultado: consultar os apontamentos de um estudante é encontrar-se com uma série de asneiras. E tantas mais quanto o aluno tem menos resultados, o que é natural.
Ainda há dias, numa turma do 11º ano, uma frase que eu tinha ditado estava escrita pelos alunos das maneiras mais inconcebíveis.
Uma parte significativa dos alunos com piores resultados escolares faz resumos que são, sem medos, um “chorrilho de asneiras”. Por vezes, fragmentos de frases, colagens sem significado... resultando num amontoado de coisas sem sentido.
E dói-me o coração vê-los a estudar aquilo, a empinar aquilo, a marrar aquilo. Que não serve para nada, a não ser para lhes garantir o pior dos resultados. Porque com aquilo ninguém consegue fazer nada de inteligente.
 
Contra os “apontamentos” - 2
Eu escrevi:
Uma das minhas guerras é contra os apontamentos. Ou melhor, os alunos estudarem “pelos apontamentos”.
Volto a precisar: não sou propriamente contra os apontamentos, mas contra estudar pelos apontamentos.
E volto a explicar porquê:
Os alunos não podem garantir qualidade àquilo que fazem. Por isso, os apontamentos que tiram são, de modo habitual, um chorrilho de asneiras. E estudam aquilo, como se fossem verdades eternas.
E reforço:
Estudar asneiras não é caminhar na direcção segura.
Imaginemos que eu me punha a ensinar golfe, ou judo, ou karate... Que podia eu fazer senão asneiras? Eu não sei disso o mínimo suficiente para mim, quanto mais para os outros.
Quem são os alunos? Pessoas que estão a aprender. Que não sabem o suficiente daquilo que estudam, por isso é que têm de estudar. Mas, sim, mas eles fazem apontamentos como se pudessem ensinar-se a si mesmos.
O livro ou manual adoptado é, em princípio, mais seguro. E, se não o for, também em princípio o professor faz as necessárias correcções.
Porquê, então, estudar por uns apontamentos seguramente cheios de asneiras e não pelo livro que é um guia mais seguro?
Não tenho a mínima dúvida: uma (apenas uma) das medidas a adoptar para um maior sucesso nas escolas é erradicar esse vício de estudar por apontamentos e resumos cheios de erros.
 
A fé - 2
É por isso que eu insisto naquilo a que chamo de experiências significativas. O nosso trabalho visa que os alunos façam experiências significativas e que reflictam sobre elas.
Experiências filosóficas, neste caso.
E é por isso que eu acredito que alguma coisa há-de ficar. Porque o nosso capital humano é sobretudo feito de experiências. E é também por isso que pretendo que essas experiências tenham uma componente emocional. Não creio, por isso, que lhes seja fácil passarem sem serem afectados pelo que vai acontecendo nas nossas aulas. Só que também sei que as aulas são demasiado frágeis para lançarem raízes fundas na vida de uma pessoa.
 
A fé - 1
Ser professor é um trabalho com base na fé. Nunca sabemos se fazemos realmente alguma coisa. Apenas podemos ter fé, e esperança, de que alguma coisa do trabalho que temos possa fazer alguma diferença na vida daqueles que connosco passaram um ou dois anos. (Ou mais, no caso de outras disciplinas.)
E às vezes temos experiências que nos dão sinais positivos de que sim, alguma coisa ficou, valeu a pena a viagem que connosco fizeram. Esses são momentos de confirmação dessa fé que, apesar disso, permanece sempre fé, e nunca um conhecimento certo e seguro.
 
Os testes
Já registei a minha aversão (?) aos testes e a minha preferência pelos textos mais ou menos livres.
Porque nos testes, vê-se sobretudo o que os alunos não foram capazes de dizer, ou seja, o que não aprenderam. - Mas como é que é possível eles dizerem isto?
Subentende-se: depois de tudo o que nós dissemos em aula.
Nos textos livres é quase o contrário. Com maior facilidade somos surpreendidos por uma boa observação, por um aspecto que nos tinha passado despercebido, por um rasgo de perspicácia... Comigo passa-se isso.
E passou-se mais uma vez, com os alunos do 11º ano. Tive oportunidade de ler agora os comentários livres que fizeram a um trabalho que vimos sobre física quântica e foi interessante vê-los a reflectir num pensamento comprometido. Não tenho dúvida de que ali encontro uma autêntica interrogação filosófica. Mas eles estão quase a deixarem a filosofia. Pergunto-me que sequência terá este trabalho.
 
À saída
- Então tenha um bom fim-de-semana.
- Vou fazer por isso. Apesar de levar duas turmas de pontos para ver e uma turma de textos, a escolha do livro do 11º ano para os próximos anos e as aulas para preparar. Fora as responsabilidades familiares e os compromissos cívicos. Vai se um fim-de-semana bem cheio.
Não foi para me queixar. A vida é feita daquilo que a enche. Foi sobretudo para eles não pensarem que só eles é que têm de dar algum tempo às responsabilidades escolares. De qualquer modo, talvez todos nós tenhamos a nostalgia de um tempo completamente livre.
 
O juízo estético
Começámos por desmontar a própria expressão “juízo estético” a partir do que já sabemos:
- juízo significa afirmação, tipo A é B;
- estético vem de aisthésis e significa algo que tenha a ver com a sensibilidade, mas também com o Belo e com a Arte.
E já vimos que o Belo tanto se pode dizer de um objecto natural, uma cascata ou um pôr-do-sol, pu de uma obra de arte.
Portanto, um juízo estético pode ser dito como uma afirmação que diz algo sobre a beleza de um objecto natural ou de uma objecto artístico.
- Certo?
- Certo.
Então, vamos ao livro ver o que ali nos diz. E fomos:
«Juízo estético: apreciação sobre uma dada obra, um produto artístico ou mesmo um objecto natural.»
- Agora, só falta ampliar aquilo que já sabemos. Vamos ver algumas das características do juízo estético.
E aqui fizemos ao contrário: fomos sublinhando e tentando descobrir p que queria dizer.
Para a próxima aula trazem o exercício resolvido.Para terminar a aula, visionámos um trecho do filme Hotel Ruanda e interpelei-os no sentido de verem em termos dos Direitos Humanos. O filme entra-nos pelos sentido, por isso se diz objecto estético ou objecto artístico, mas pretende desencadear-nos a reflexão sobre aquilo que nos mostra.

quinta-feira, maio 15

 
GIF estreia na praça pública
Quinta-feira. O GIF aparece em público.
O jornal Primeira Linha traz quase duas páginas produzidas pelo Grupo de Intervenção Filosófica sobre o primeiro tema que as alunas escolheram para trabalho de reflexão.
A homossexualidade.
E, na linha da “intervenção”, consideraram que o seu trabalho de reflexão não devia ficar-se entre elas. Era preciso sair à praça pública.
Um texto da Joana Paulo, uma entrevista da Marta Lopes a uma homossexual, uma entrevista da Rira Estrela a um bissexual e duas tiras de banda desenhada da Rita Estrela e da Sara Lavrador compunham o trabalho, que foi ilustrado com uma fotografia.
Quando o jornal chegou à escola no final da primeira aula, foi uma festa. Merecida.Obrigado ao Primeira Linha, por ter aceite possibilitar esta “intervenção” e por ter proporcionado a estas alunas uma alegria de primeira apanha.
 
Nem todos, porém...
... estão já a produzir bons textos. Com muita pena minha.
Aos que não tiveram textos que eu pudesse classificar como positivos, devolvi para os corrigirem e fazerem como deve ser.
Só superando o que não se fez bem é que se evolui.
E é por isso, digo eu, que alguns estão a revelar claros progressos. Sem esquecer, é claro, aquilo que os meus colegas de outras disciplinas também andarão a fazer.
Não vejo é esses progressos nos alunos que não fazem o investimento que se lhes pede. E esta falta vem-me dizendo que estou no bom caminho.
E também os alunos vão refilando “mais um texto?!”. Mas, no final, confirmam que tive razão e agradecem eu ter ido por este caminho.
 
Mas...
... tu assim tens um trabalhão a ver esses textos todos.
Pois tenho. Mas é isso, sobretudo isso, casado com a reflexão em aula, que me permite ajudá-los, talvez obrigá-los, a evoluírem para territórios de reflexão que lhes eram à partida insuspeitos. E eles próprios se surpreendem.
Eu tenho para mim um lema como professor:
Um bom professor é aquele que ajuda os alunos a irem até onde não conseguiriam ir sozinhos.
Porque, se conseguissem, nem era necessário o professor.
 
Os textos
Gosto de ver os textos dos meus alunos (detesto classificar testes). Porque ali vejo-os a pensar, a reflectir a partir de dentro, a subirem a alturas de reflexão a que, de outro modo, não se elevariam.
Há sempre reflexões boas. Algumas que me surpreendem.
Mas as que, nesta altura, mais me agradam são aquelas que revelam uma nítida evolução face ao início. Começaram alguns alunos por não serem capazes de escrever mais que três ou quatro linhas e agora já conseguem escrever uma boa página A5, ou mais. E, por vezes, com reflexões bastante interessantes.
 
Reflectir, filosofar
O prato forte da segunda feira foi comentar o filme que haviam visto.
- Não se trata de contar a história que vimos no filme, repeti. Isso já eu sei. O que eu não sei é o que vocês pensar “sobre” aquilo de que o filme nos fala.
E lançaram-se à escrita.
Além disso, numa turma preparámos o teste que virá na quinta-feira. E na outra... já nem me lembro o que fizemos além do texto.

sábado, maio 10

 
Alô, Beja
Quarta-feira. Beja. Sob as ordens do Grão Capitão Tiago Pita, a APAEF – Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico vai a eleições e escolhe uma nova Direcção. Em Beja, sim.
Até agora sediada no Algarve, a casa passa a ser dirigida do Norte, Porto e acima. Bom trabalho à nova equipa.
Em conversa com Tiago Pita, professor de Filosofia em Beja, soube que o nosso blogue está a ser acompanhado de lá e que estão atentos ao nosso GIF – Grupo de Intervenção Filosófica.
Daqui, um abraço a quantos, em Beja, também se esforçam por pensar a vida, que vale bem a pena ser vivida. E desejamos saber que também por lá se fazem coisas interessantes, sejam elas quais forem.
 
“Os deuses devem estar loucos”
Foi o filme que escolhi. Para a mesma função: com um objecto estético, atar as pontas do que estudámos ao longo do ano.
Fui fazendo alguns comentários para evitar a leitura racista e subir a um nível antropológico e filosófico de interpretação. E, para esse efeito, o filme faz um bom trabalho.
 
Acidente
Mas, ao tirar a cassete vídeo do leitor, a fita ficou presa dentro do mecanismo. Teve de ser... partida.
Fiquei desolado. Sobretudo porque isso me impede de, na outra turma, fazermos um percurso idêntico. E agora?
 
“O Menino Selvagem”
A aula foi para ver o filme “O Menino Selagem”, de François Truffaut.
É um filme, portanto um objecto estético, um trabalho de arte. Mas que pretende provocar a nossa reflexão. - Proponho que, com ele, façamos uma ligação de tudo o que estudámos este ano. Natureza e cultura, liberdade e determinismo, pessoa e sociedade, decisão e responsabilidade, bem/mal e regra social, comportamento pessoal e instituição reguladora... Vejam o filme com atenção, sem se preocuparem demasiado com a matéria. Depois, preparem-se para fazer um texto sobre o filme. Mas não é para me contarem o filme, que eu também o vi. É para me darem a conhecer o que vocês pensam sobre o filme. Isso é que eu não sei.
 
Para o sucesso
Voltou a reunir o grupo de trabalho para o sucesso escolar. Desta vez, com a presença do Conselho Executivo. Estamos em início de trabalhos, mas já a avançar para aquilo que pode ser feito de facto para melhorar o funcionamento da escola.
A escola não é apenas aulas e mais aulas. As aulas fazem parte de um complexo sistema a funcionar, que é a escola. E a outra parte, para lá das aulas, tem também a ver com o resultado do funcionamento da escola.
Eram quase oito da noite quando cheguei a casa. Tão cansado como se tivesse passado a tarde a “dar aulas”. Mas valeu a pena. Digo eu, é claro.
 
Com Sophia
Mas na segunda parte da aula, deixámos o manual.
Estamos a falar de Estética. Quero que tenham experiências estéticas, e que possamos reflectir sobre elas.
- Já vimos cinema, já foram ao teatro, já fizemos duas exposições, já foram convidados a ir visitar a galeria municipal de arte. Agora, vamos pegar na literatura. Num dos mais belos contos que já li.
Penso que leio razoavelmente, sobretudo fruto dos anos que encenei teatro. Por isso, pedi o máximo de concentração e li
“A viagem”, de Contos Exemplares, de Sophia de Mello Breyner Andresen.
A sala estava presa ao percurso. Eu tinha-lhes dito que era sobre a vida, que era um pouco estranha a sucessão de acontecimentos, mas que isso tem um significado.
No final, falámos sobre o conto, com eles a darem pistas de análise, fragmentos de reflexão.
Gostaram bastante. Assim o mostraram, assim o disseram.
Mas nunca consigo distanciar-me daqueles alunos que não conseguem prestar atenção, que recusam abrir-se a um conto como este. Há sempre um ou dois. Numa das turmas tive que exigir pelo menos que não perturbassem.
 
Contra os "apontamentos"
Uma das minhas guerras é contra os apontamentos. Ou melhor, os alunos estudarem “pelos apontamentos”. Não sei quem os ensinou a fazerem isso, mas sei que foi um crime.
Os alunos não podem garantir qualidade àquilo que fazem. Por isso, os apontamentos que tiram são, de modo habitual, um chorrilho de asneiras. E estudam aquilo, como se fossem verdades eternas.
Por vezes, os apontamentos que os alunos tiram, ou os resumos que fazem (outro nome “técnico” para a asneira), são fragmentos sem sentido. Que eles estudam com devoção. Estudar quer dizer aqui empinar, decorar, marrar. Não significa aprender. Porque ali nada se pode aprender.
Nem sequer se for eu a ditar “bons” apontamentos. Nem assim há bons apontamentos, porque os erros de audição ou de escrita desfiguram o texto e fazem-nos estudar coisas sem sentido.
- E que é que isso significa?
- Não sei.
- E estudas aquilo que nem sequer entendes?
- Ó professor, mas nem assim consigo tirar boas notas
- Não! É por fazeres assim é que não tiras boas notas.
- Mas eu não sou capaz de outra maneira.
 
Branco e preto
Segunda-feira. Dia de poucos amigos. Começámos a aula de modo pouco amigável.
- Vamos apenas sublinhar, com ligeiros comentários.
De quando em vez, faço assim. Quero dizer que é a eles que compete estudar, estudar pelo livro, livro que quero deixar com algumas marcas de leitura.Para os ajudar no estudo e para insistir em estudarem pelo livro. E não pelos apontamentos.

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